Olhe para cima e veja todos os níveis da queda.
Uma escadaria de dores para os puros,
Fúteis de inúmeros futuros.
Não é errado crer
Mas, quando dizem ser soberania
Matam seres, matam magia
Peregrinam da fé para a ignorância.
Afogam-se nos próprios eus,
Colocam a própria limitação
Como objeto de adoração.
O céu noturno estava limpo, porém sem estrelas ou o majestoso luar. Era como olhar para cima do fundo de um infindável abismo, apenas o breu além. O odor azedo e decadente permeava o ar, trazendo às minhas narinas o toque da decomposição, o cheiro de morte. Meus sapatos pisavam, escorregadios, no piso de pedra onde uma fina camada de lodo preto sobrepunha filetes de água esverdeada.
Apesar da completa falta de fontes de iluminação, o cenário era visível nos mínimos detalhes. O gigantesco arco de largos degraus rochosos diante de mim, como uma arena, mostrava-se pleno assim como os corpos nus que tentavam escalar incessantemente. Alguns desistiam e esgueiravam-se para o interior de cavernas nos paredões entre os níveis.
Eu era um mero observador do horror, no centro do anfiteatro a analisar as criaturas humanas que tentavam alcançar patamares mais altos em suas decadências. Partes se misturavam, mãos erguiam, peles rasgavam, membros voavam. Pernas, bundas, maxilares, dentes, peitos, gargantas, sangue, órgãos, dejetos, vermes.
Um deles, quase no primeiro degrau, despencou e atingiu o chão em um ruído oco. Virou-se em um estalo na minha direção, rastejou em um engatinhar sofrido exibindo o topo careca da cabeça rachado de cerebelo visível. Reconheci meu tio desaparecido à medida que se aproximava. Não me movi, estranhamente não temi.
Uma mão tocou o meu ombro direito, outra o esquerdo. Duas pessoas chegaram por trás de mim: uma não consegui ver o rosto por estar de costas e com um saco roxo de seda sobre a cabeça, a outra era uma pessoa de cabelos ruivos encaracolados e curtos; a blusa branca de babados impecavelmente limpa para aquele lugar, assim como a calça de veludo azul até os joelhos.
— Gosta de vê-lo assim? — perguntou, oferecendo-me o mais amistoso dos sorrisos. Estava confortável com o toque de ambos, apesar de não saber quem era o oculto. — A queda dele foi majestosa!
Loui D'Angelis já estava a poucos metros, podia ver uma coleira ao pescoço dele como única vestimenta. Da boca, a tinta preta escapando incessantemente.
Minha garganta coçou e eu ri, pensei em como ele era patético daquela forma. Cobri a boca com meu impulso, policiei meus pensamentos.
— Quem é você? Como parei aqui? — questionei quem me instigara, voltando o olhar para o rosto com grossos lábios pintados de vermelho; o batom centralizado parecia sangue marcado com os dedos.
— Quem é você? — rebateu, apesar de parecer que já sabia a resposta. — Ainda me verá lá fora, mas não no intermediário. Ele também está lá, apesar de ter ideais contrários aos meus. Não é inimigo, é uma escolha. Temos muitas salas aqui, nossa casa, mas ainda não é hora de conhecer além do parque de diversões.
Tentei associar as frases como enigmas daquele sonho estranho, meu estomago embrulhou e o mundo girou ao meu redor. Acordei rolando no colchão e coloquei tudo para fora em uma bacia já posicionada ao lado da cama, como se já soubessem o que viria.
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Pantomima
Mystery / ThrillerDizem que se você olhar por muito tempo para o fundo do poço das almas, ele desperta seus desejos mais sombrios. Alguns também acham que, se beber das águas do riacho que ladeia a cidade abaixo, sua mente fica aberta ao diabo. Jack Ruel, um diretor...