Capítulo 4

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Era horário de jantar e Rolli sentia que havia alguém o observando, aquela sensação tinha aumentado nos últimos dias, até tinha flagrado olhares da mesma menina que havia corrido dele no outro dia , mas ele não conseguia sustentar o olhar dela por muito tempo e desviava num instante. 

A noite estava fria e mais escura, mesmo com as luzes de teto, elas não pareciam suficientes para afastar as sombras.

Rolli se apressou em terminar de comer, por fim engoliu as pílulas com ajuda do suco de laranja claramente artificial, raramente via-se frutas naqueles dias, a não ser nas mesas dos ricos.

Devolvendo a bandeja, Rolli foi para o corredor, enfiou as mãos nos bolsos frontais da blusa cinza, o mesmo tom e modelo que todos os outros usavam, as vezes era difícil se diferenciar.

Repentinamente a sensação de ser observado voltou e Rolli apressou o passo, ao virar uma esquina tentou olhar para trás, mas acabou esbarrando em um robô.

O humanoide não se moveu, estava concentrado em seu dispositivo, ele nem tinha notado a presença da criança e Rolli aproveitou para olhar o que ele lia.

Alguns robôs tinham acesso a internet para envio de relatórios e comunicação com a cidade, como a tela do dispositivo que ele usava era puramente de um vidro fino, Rolli conseguia ver o que era pelo outro lado.

Uma notícia recente retratava com um vídeo na lateral, a situação de milhares de robôs abandonados em campos de guerra, eles tinham sido quebrados e danificados por bombas e tiros e deixados enferrujando, eram pilhas e mais pilhas de ferro cobrindo um cenário de destruição.

O foco da notícia era o lixo que estava poluindo e destruindo a terra sem controle, toneladas de lixo eletrônico tinha sido produzido em massa, na corrida que houve para ganhar a guerra e os países construíram além de fábricas em excesso, humanóides em abundância que obviamente depois que tudo passou, se tornaram simplesmente inúteis.

Rolli de repente notou que o brilho nos olhos do robô mudou, abaixando levemente, parecia que ele estava abaixando o olhar o tornando triste, ou fechando os olhos para esconder a dor. Mas não, Rolli pensou que deveria estar enganado, não era possível que o robô sentisse algo por seus iguais mortos, afinal, ele nem deveria se lembrar da guerra.

Um mão gelada no ombro de Rolli o fez pular de susto e se virar, era a menina que o estava perseguindo nos últimos dias, os olhos amendoados dela eram questionadores.

- O que está fazendo? - ela perguntou, falando com ele pela primeira vez.

- Eu só... Por que está me seguindo?

Ela corou levemente.

- Você é estranho.

- Todos aqui são.

- Você fica encarando os robôs, ninguém faz isso. 

Rolli relanceou para o humanoide que permanecia na mesma posição.

- Sinto algo estranho, deve ser coisa da minha cabeça.

A garota de cabelos loiros ficou de frente para o robô e passou a mão em cima da tela, ele não demonstrou nenhuma reação.

- Está tarde, já pode ter entrado no modo hibernar.

- Ele parecia... Triste.

- Você é realmente estranho. Sou Alice.

Ela estendeu a mão e Rolli franziu as sobrancelhas.

- O que é isso?

- Um cumprimento.

Alice segurou a mão de Rolli e o ensinou a pegar na sua mão e balançar para cima e para baixo.

- As pessoas fazem isso?

- Faziam, eu acho... Não vai me dizer seu nome?

- Rolliver... Só Rolli.

- Alguém te chamava assim?

- Minha mãe.

- Chegou a conhecê-la?! É uma pessoa de sorte.

- Me lembro apenas do fim, ela lutou como podia contra os esporos, mas sabe... Todos tiveram o mesmo fim.

Ambos ficaram com o olhar distante por um segundo.

- Mas foi há muito tempo, acho que as pessoas precisam de assuntos novos para conversar.

Mecanicamente começaram a andar em direção aos dormitórios, sem realmente pensarem ou decidirem ir para lá.

- Raramente vejo alguém conversando aqui.

- Acho que é difícil nos conectar hoje em dia, se pelo menos houvesse alguma novidade ou algo fora do comum para puxar assunto.

- Parece uma adulta falando.

Alice sorriu.

- Amadureci cedo, eu acho.

Rolli observou os cinco centímetros a mais de altura que indicava que ela era mais velha, mas era tão criança quanto ele.

- Faça o exercício de observar os robôs por um instante, vai acreditar que tem alguma diferente.

- Tudo bem, vou ser outra esquisita que fica encarando eles.

Rolli sorriu, notando que estava batendo o recorde de sorrisos em um dia, não se lembrava quando tinha feito aquilo antes, muito menos a última conversa longa como aquele que já tinha tido.

- O dormitório feminino fica do outro lado... Boa noite, Rolli.

- Boa noite, Alice.

Coração de ferroOnde histórias criam vida. Descubra agora