Juliana odiava o verão.
Especialmente o verão carioca quando ela era obrigada a caminhar boa parte das ruas da Zona Sul de calça jeans para pegar o metrô e voltar para o seu apartamento na Tijuca. Pelo menos ela não chegaria de madrugada em casa — por essas e outras ela agradecia à beleza da hierarquia confusa de sua família paterna. Alguém morreu e acabou que a única pessoa viva para herdar o apartamento de dois quartos era ela. Ela entendia? Não. Mas não iria reclamar.
Era melhor do que o conjugado da laje em que costumava morar perto do buraco do padre. E infinitamente melhor do que o apartamento apertado que ela costumava morar em Tomás Coelho. Pelo menos ela não andava mais escoltada pelos amigos do seu meio irmão com um fuzil na mão até o metro. Segurança tinha um preço definitivamente curioso.
Conforme a noite terminava de cair, ela saiu do metrô na São Francisco Xavier e resolveu parar no podrão da igreja antes de caminhar para casa. Ela gostava do molho de alho deles. Enquanto devorava o sanduiche de três carnes, a morena pensou que precisava lavar o uniforme para o dia seguinte, e que talvez tinha algum pendurado na corda. E pensou que também dava tempo de assistir algum filme antes de dormir.
Não estava tão cansada.
E as aulas do dia seguinte já estavam mais do que prontas.
Depois de devorar o sanduiche e uma coca gelada, a morena voltou seu caminho até o apartamento. Com passos preguiçosos, ela aproveitava a música que gritava em seus fones de ouvido. Com o celular muito bem escondido no bolso, ela ainda se mantinha atenta às movimentações na rua. Em frente a mureta do colégio militar, ela abriu a porta de seu prédio e subiu correndo. Estava louca para tirar aquela roupa.
Quando virou a esquerda no corredor, se surpreendeu ao ver alguém muito conhecido encolhido ao lado da sua porta. Ela arqueou uma das sobrancelhas e hesitou muito antes de continuar andando.
— Não adianta dizer que estava na vizinhança que essa não cola. — Murmurou em tom divertido. — Você me trocou pela Zona Sul...
Sem a resposta que ela esperava, Juliana ficou em alerta. E então resolveu deixar as gracinhas de lado — pelo menos um pouco.
— O que aquele babaca fez dessa vez?
O par de olhos mais azuis que mar em dia de verão se ergueram para ela, marcados por lágrimas, dor e roxos que não deveriam estar ali. Nem perto. Juliana engoliu a raiva que estava sentindo ao se aproximar com cautela. Enfiou a chave na porta.
— Vem. Eu faço um jantar pra gente e você pode me dar motivos pra não matar esse filho da puta.
Juliana entrou em seu apartamento deixando a mochila de qualquer jeito no chão da sala. Ao ver que estava devidamente acompanhada, fechou e trancou a porta. Ela precisava controlar a raiva que estava sentindo, o desejo por um sangue muito especifico em suas mãos — aquela era a situação que mais odiava no mundo.
A morena entrou no quarto e trocou de roupa o mais rápido que conseguiu, depois de uma chuveirada gelada e rápida. Colocou o short de pano e uma camiseta e voltou para a sala. No colchão improvisado de sofá, a dona daqueles olhos azuis continuava lhe encarando.
— Eu não tenho muita coisa por aqui, nem fui no mercado ainda, você quer miojo? — Juliana entrou no espaço apertado da cozinha e começou a separar duas panelas. — Tem tomate, carne e frango suave.
— Tomate.
Enquanto a morena enchia a panela de água, encarou a garota dos olhos azuis; desconfiada e um pouco irritada.
— Ainda tô esperando os motivos pra não ir atrás desse filho da puta agora. Bora.
— Juls... — A voz suave lhe atingiu os ouvidos e todos os outros sentidos. E então ela tomou coragem para ficar de pé; seu corpo ainda estava inteiramente dolorido. Havia levado uma surra e tanto. — Eu não posso te dar muitos motivos, mas possivelmente um vai te convencer.
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Pra Nos Refazer | Juliantina | SHORTFIC
RomanceA última coisa que Juliana esperava ao chegar em casa, depois de um dia exaustivo de trabalho, era encontrar Valentina encolhida ao lado da sua porta. Sorte a delas, que não houve hesitação na troca de abraços, carinho e conforto. E então, a partir...