Capítulo 04

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Meu sangue ferveu, besta imunda. Senti ódio por aquele ser boçal que esgueirava entre nossos reinos, deveriam queimar feito humanos. Eram escorias assim como eles, bestas mundanas.

Subi a fenda de meu vestido em um rápido movimento para pegar minha adaga; é pontuda e tinha um rubi no topo de seu cabo, era lapidada e banhada a ouro e runas de amor a desenhavam. Minha única arma.

Uma gargalhada assombrosa ecoou por toda a floresta, espantando os corvos que tinha por perto, pude saber ao ouvir o som que os pássaros faziam, som maligno, som de morte e pressagio. Meu corpo falhou, seria meu fim. Nunca lutei e sequer lidei com criaturas bestiais em minha vida, queria correr de volta para meus luxuosas aposentos como minhas pernas inquietas e trêmulas imploravam, mas minha mente não poderia arriscar que meu corpo desse sequer mais um passo, criaturas como aquelas eram ágeis e gostavam de brincar com suas presas. Se for para morrer, que seja tão entediante e rápido pra causar repulsa na criatura.

Barulhos de asas se fechando atrás de mim, me virei rapidamente e pude ver. Criatura linda, exibindo sua pele mais pálida e quase transparente, seus olhos eram negros e opacos, tinha cheiro de sangue e desespero que não era o dela. Se vestia em trapos, mas continha um colar de ossos e suas asas tão pálidas quanto sua pele se arrastava sob a terra podre, seu sorriso debochado se fez presente.

- A famosa Fay aqui por essas bandas. – A criatura falou em tom de deboche fazendo um breve cumprimento com a mão, a voz amorosa e calorosa se dissipou mostrando que era só um disfarce. – É uma grande honra, terei de comer você vagarosamente para prestar minha homenagem.

- Posso barganhar. – Minha voz era trêmula, queria sair correndo o mais rápido possível. Manter meu corpo estagnado no mesmo lugar requer um esforço maior do que achava que fosse. – Lhe darei ouro. – Ofereci, era perigoso fazer acordo com élfos, mas era pior fazer os mesmos com criaturas bestiais que tinham consciência e sede de medo. A Lâmia sorriu estalando a língua, pisquei os olhos e ela já estava mais próxima, encarando minha adaga.

- Nada me sacia mais do que me alimentar do sangue e desespero da nobreza... – murmurou. Pisquei novamente e ela estava mais próxima, ainda de olho na adaga que tremelicava por conta do meu pavor, eu estava bamba e meu corpo gritava para fugir.

Sua boca abriu e a fileira de dentes se fez a amostra para mim, eram enormes e afiados, se movia me atraindo para mais perto, emanava fedor de cadáver e emitia o som de mil ossos se partindo, mil crianças chorando e mil gritos de sofrimento, minha orelha nada sensível e pontuda pediu arrego. Esse é o momento de correr e assim fiz, meu corpo não suportou e corri na direção do paredão de magia para poder atravessar novamente, mas dei de cara com o nada e magicamente voltei para a posição que estava antes de ser atacada.

Magia... Magia, magia, magia! Era nesses momentos que eu odiava a magia, não me beneficiava em nada e só me colocava em mais perigo.

A lâmia me empurrou em um solavanco fazendo eu cair de costas contra o chão, que emanava enxofre, senti náuseas, estava pronta para vomitar, mas antes de me virar a besta prendeu minhas mãos por cima de minha cabeça, a força era tanta que meus pulsos não aguentaram a pressão e gemi de dor soltando a adaga. A língua de serpente da besta percorreu pelas minhas bochechas saboreando o momento, saboreando meu medo enquanto eu me debatia tentando me soltar, me debatia tão desesperadamente que meu corpo doía. Com a respiração afoita fechei meus olhos. É o meu fim, é assim que vou morrer, tendo meu sangue drenado por uma lâmia, meus restos mortais nunca serão achados, homenagens não serão prestadas porque serei dada como desaparecida, e minha alma vai vagar pela floresta demoníaca, esse rosto será o último que eu....

O som de pele se cortando e o grito ensurdecedor da lâmia se fizeram presente e o peso sob meu corpo diminui por inteiro, agora caída ao meu lado a besta gemia de dor e suplicava silenciosamente por ajuda, sem pensar de onde veio a flecha que atingira em cheio seu coração peguei a adaga para mim e cravei diversas vezes no corpo do monstro, estava consumida pelo ódio e senti conforto em ver a besta se retorcer de dor antes de dar seu último e temoroso suspiro. Suas asas se fecharam em escudo a protegendo.

Minhas mãos sujas de sangue denso largaram a adaga e me sentei ao lado do corpo sem vida recuperando meu fôlego e limpando minhas lagrimas. Como pude ser tão ingênua? Como pude achar que aquele monstro horrível era minha mãe? Como pude ser tão fraca? Como entrei naquela fenda e como... quer dizer, quem deu o primeiro golpe na besta? Arregalei os olhos e peguei a adaga novamente, me levantei e apontei para todas as direções possíveis, tinha mais de uma ameaça.

- Não se esforce tanto, querida. – A voz sedutora ecoou pela floresta, e de uma névoa negra ele apareceu. Prendi a respiração. Assim como eu ele tinha a pele pálida e olhar marcante, seu cabelo e vestes eram negros como o mais profundo abismo e seus olhos sedutores eram azuis, como o céu em solstício de verão, como os céus abençoados pela Mãe Terra. Ele era musculoso demais e usava calças de couro preto que marcavam suas coxas torneadas, era lindo e de presença marcante. A ponta de suas orelhas era manchada, uma cor negra que ia desaparecendo em degradê e uma coroa de ônix brilhante adornava sua cabeça. Balbuciei antes de falar, era como... Como beleza élfica antiga e bruta, era lindo, grandioso e sedutor. Emanava perigo e cheiro amadeirado, seu poder me desbancava e me sufocava, pude sentir fisicamente sua presença.

– Não sabe o quanto te esperei. – Murmuroutocando em minha mão ensanguentada, limpando a sujeira que secava rapidamente.A voz era a mais dócil, viril e sedutora que já ouvira, seu peitoral subia edescia gradativamente, mostrando o pouco esforço que fez para caçar a fera e setransportar pela nevoa negra. Eu estava... hipnotizada, Mãe Terra o lapidou amão, era essa a sensação que tinha.

Liberta-me - Em revisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora