Capítulo 02

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O sol raiou naquela manhã abafada e úmida, fomos abençoados pela Mãe Terra, teria chuva em abundância em nossos jardins lavando as impurezas que a estação anterior deixou para trás. Suspirei. O dia estava lindo demais para chuva, mas sentia as bençãos da Mãe Terra sob minha alma, indicando que hoje seria um dia de festa, um dia para se deleitar em seus pomares e festejar sob a terra lamacenta. É possível sentir o cheirinho de terra molhada e não conseguia conter meu sorriso, que logo fora estragado por Seelie.

Seelie era a governanta da ala juvenil do palácio, cuidava dos jovens da corte. Era uma élfa rechonchuda e baixinha, seus cabelos eram ondulados e as tranças iam até seu quadril enorme e largo. A pele era esverdeada e as mãos brilhavam sob o sol mostrando sutilmente suas escamas que cintilavam em harmonia, como se ela fosse feita para a água. Não se sabia ao certo como Seelie foi parar em Thalam, já que suas origens ficavam em Uisge, mas a dama feérica era eficaz em seu trabalho de domar e educar os jovens da corte.

Corte que Seelie fazia questão de me lembrar que eu não faço parte. Não por sermos sinceros e não podermos mentir, mas simplesmente por ser cruel.

- Hoje receberemos a benção da Mãe terra, água cairá sob nossas terras. – Ela abre as cortinas que iam do céu ao chão, senti que era para causar desconforto pois já estava acordada e ela sabe disso – E você ainda ousa causar repulsa, dormindo até este horário. Que o raio a parta no meio. – Seelie enchia a boca para me machucar com palavras cheias de ódio, ela deixava claro o quanto não gostava de minha presença, e mais claro ainda o quanto detestava atrasos. – Hoje é um dia para agradecer!

Não a respondi e ao invés disso respirei fundo afim de relaxar meus músculos que tensionavam toda vez que Seelie direcionava as poucas, mas dolorosas palavras a mim, pude sentir novamente o aroma de terra molhada antes de despertar a mim mesma de devaneios e me aprontar para os meus afazeres, pois hoje era um dia para agradecer. Sentia o quente de seu olhar mirar minhas costas enquanto me divertia com a água em meu lavatório.

Fui banhada e perfumada com baunilha afim de deixar o aroma adocicado e enjoativo sob a minha pele, o que funcionou. Trançou de maneira brusca meus cabelos negros como o a própria escuridão e o enfeitou com folhas de lavanda lilás,  harmonizava perfeitamente com meu vestido, que tinha todas as fendas possíveis e só cobria o que era necessário.

- Vai comer com os criados hoje, vosso Senhor teme que sua maldição atrapalhe o dia de hoje. – Murmurou Seelie com sua voz doce e cortante, concordei silenciosamente antes da elfa rechonchuda caminhar até a porta. Só percebi que estava tensa diante de sua presença quando soltei a respiração que sequer percebi estar prendendo. Caminhei até a janela afim de observar a paisagem que o senhor de Thalam me proporcionou ao me acomodar em seu palácio.

Tinha acesso a um pomar de maçãs e uvas, que se estendia até o horizonte, montanhas se formam dias a frente e o sol penetrava sutilmente o tecido das cortinas leve de minhas acomodações. Era de fato confortável, luxuoso e tinha uma vista magnifica, mas não conseguia ter a sensação de que era meu lar, nunca mais pude.

Tomei café com os lacaios, que diferentemente de Seelie me tratava bem. Uma vez ela me disse que era porque a plebe se identificava uma com a outra, não me ofendi. Brindamos o dia de hoje e comi com abundância antes de me direcionar ao salão principal, onde todos já estavam em posição. Meus olhos institivamente passeavam pelo local a procura de Bryn, meu amante.

Assim que nossos olhares se encontraram seu sorriso estonteante se fez presente iluminando o ambiente e fazendo meu coração palpitar. Eu o amava, mais do que pudesse contar nas estrelas que guiavam nossos destinos.

Bryn era filho mais novo do Senhor Elementar de Thalam, herdeiro de uma linhagem poderosa, benevolente e brilhante. Seus cabelos encaracolados caiam sob a coroa de flores que pousavam em sua cabeça, as orelhas pontudas estavam pintadas sutilmente na ponta em um tom dourado e suas vestes faziam jus a realeza, flores douradas teciam sob seu manto. O príncipe acenou com a cabeça e voltou sua atenção ao pai, que caminhava preguiçosamente para o trono lapidado de madeira que floria cerejeiras quando sua pele tocava a madeira. Toda vez que ele se sentava lá, flores cresciam sob o trono, pois a terra o abençoava.

Liberta-me - Em revisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora