1.1

18 2 2
                                    

O nascimento do herói

  Dentro das muralhas altas da cidade de Lothric, onde o rei morava com todas suas amantes, onde o bastardo vivia no luxo das custas do absoluto enquanto pisava no quântico da morada dos pobres, vivia um nobre dentro de uma humilde casa de feudo aberto, um dos poucos românticos respeitosos de sua era, mil e quinhentos anos pós a bendita luta de nossa moradia. Há de se dizer que era fraco, magérrimo, pobretão, mas sonhador. Sonhava com o amor, sonhava com o pouco luxo que poderia restar nas próximas primaveras, sonhava com a póstuma e curta passagem ao limbo.
  Esse homem, portanto, tinha uma amada, ao qual recebia e respondia suas mensagens no sigilo: a dama pura de Lothric. De cabelos cor de fogo, pele sempre no bronzeio, ouvira histórias da garota que o faziam sonhar acordado a cada manhã que se colocava de pé.

      "Querida madame merecedora do trono de Lothric, hoje novamente sonhei contigo. Mais uma vez, embaixo de um carvalho alto, nos deitávamos e tínhamos uma nova tentativa da contra objeção divina. Tínhamos uma criança. Tão bela quanto ti, tão sabia quanto ti, de olhos esmeralda e lábios sangue, como os teus."

  A dama, esperta como sempre, recolhia as cartas de amor do carteiro antes que vos chegassem na mão do progenitor do caos, e, em meio a tantas, sabia como reconhecer o amante pela caligrafia.

       "Meu caro admirador sem nome, vagabundeando pelas bandas de minhas vestes eu encontro o que tanto deseja em amarras de alguém que não amo, porém eu juro, logo nos encontraremos, e faremos nosso próprio conto de Grimm."

  E cartas iam e voltavam, papéis que chegavam sem remetentes, com distâncias absurdas e sonhos inalcançáveis, até mesmo para alguém de tanto poder como a dama de Lothric... Porém, e há de ter um porém, o sonhador buscou nos mais bruscos cantos alguém que pudesse ajudá-lo: Myrddin, o velho lorde Myrddin, que foi cassado de seu trono nos altos da Bretanha por mover os paus a favor da magia negra.
  Recebendo dessa informação, o apaixonado procura às loucuras por Myrddin, e o encontra como moribundo em um buraco na terra no meio de Terramor, o lar dos ladrões.
  Explicando sua história, ele diz:

— Tenho o remédio perfeito para trazer a tua amada até você, pobretão — caçoou —. Traga-me a rosa mais vermelha, do Rosario mais lindo onde, ao meio dia, faz sombra em Lothric, e traga ela a mim. Nas próximas semanas, a rainha irá visitá-lo, tudo que terá de fazer é entregar a rosa em suas mãos e o resto se fará sozinho.

  Abismado com tamanha façanha, concordou.

— SIM! SIM EU O FAREI! E TRAREI A FLOR NA MANHÃ DE AMANHÃ!

  Negou com a cabeça o mago, torcendo os dedos.

— Nada é tão fácil, cafajeste. Quando se deitar com a senhorita, você terá um filho com ela. Ele não será seu, pois sua morte virá antes, e será horrenda. A vida do rapaz não será fácil, pois não vai ser nobre nem rei, e tampouco deixará de infernizar a vida da rainha. Compreende a gravidade de se mexer com tamanho peso?

  Pensou, porém por pouco, e logo aceitou, subindo em seu burro de carga e cavalgando até a parte escura do castelo de Lothric.
  Buscando lá, achou pingando sangue a rosa mais vermelha do rosário sem dono, e sem dormir, já caminhou de volta até o grandiosissimo Myrddin.
  Chegando em seu buraco, o mago não estava lá, mas somente um recado.

A ROSA SANGRENTA É A CHAVE

  E voltou, desanimado e sem expectativas, cansado e sem ter tempo para parada, mas ainda vivo.

  Dias depois, guardando a rosa que aos poucos se esvaia, recebeu a notícia que o dom de Lothric iria viajar com sua donzela até sua cidade para uma cerimônia, e isso o animou.
  Catou com força as rosas em mãos e até abandonou as cartas, na esperança de, dessa vez, vê-la.

  Noites e noites sem dormir, e acordou... Atrasado.
  Ao lado de fora de seu barraco, a maior gritaria, e sabia do que se tratava, portanto novamente pegou a rosa, empreteada, empregnada de imundície e correu ao lado de fora.

  Esbelta, maravilhosa, linda como sempre.
  Sujo, gordo, rindo dos pobres como sempre.

  O casal atípico se apresentara dentro de carruagem, e em meio à tantas rosas, o rapaz atirou a sua, que em movimento místico, encaixou na mão da Dama Ruiva, que carregara um sorriso de canto a canto que logo sumiu ao tentar entender de quem se tratava àquele mimo.
  Correndo os olhos por todos, viu o único verdadeiramente apaixonado por sua humildade, enxergou por através de sua alma, assistiu seus pecados e seus feitos.

  Era ele.
  Seu admirador secreto.
  Seu amante.
  Seu amor verdadeiro e puro.

  Confiante ao ver que a única pétala nas mãos da fêmea era a sua, o homem enfim teve o prazer de sorrir, sorrir como jamais sorriu antes, sorrir como se fosse a última vez que pudera mostrar os dentes e, que os deuses me perdoem, talvez aquele tenha sido.

  Mais tarde, no mesmo dia, o tão novo príncipe êmulo, escreveu em sua mesa corriqueira um improviso de suas preces agradecidas.

        "Princesa, minha princesa, minha rainha, finalmente olhou-me nos olhos, finalmente me encantou com tua vista, e sua visita efêmera foi o motivo do que pode ser dito o início de vosso laço. Espero que não volte tarde, pois estarei no agua—"

  Um estrondoso ruído atormentara, era a batida na porta que ecoava por todo o minúsculo casebre e, assustado, acabou riscando as últimas palavras não ditas mas verbalizadas à rainha.

  Quando abriu a porta, não se surpreendeu, porém se prendeu em paixões novamente.

  Com um leque de dentes amostra, a duquesa se apresentara em tua frente. Ruiva, alta, de olhos verdes como rio cristalino, silhueta marcada em redondilhas de poeta e as vestes longas, que a cobriam.

— Rápido! Não podem saber que estou aqui! — E o empurrou adentro.

— V-você... Você realmente veio! Myrddin estava certo! Aquele--

— Vamos, meu príncipe. Não temos tempo. Me dispa, me prove, sonhei com esta noite desde sua primeira carta.

  E ambos sorriem, ativos a sua curta e proveitosa noite de núpcias. Selando o mais curto e alarmante casamento não permitido.

Lacrima Christi: Mandante do enfermo Onde histórias criam vida. Descubra agora