Dar sem receber

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Aviso: Contém descrição de estupro, agressão, tentativa de suicídio e drogas. O Leitor está avisado.

Todos os meus problemas
Jogados ao mar
Eu achei que ganharia tudo
Sem ao menos dar
Mas foi ao contrário, quando aquilo faleceu
O ódio gratuito que minha família recebeu
Eu tive um sonho
Me vi como criança
Vi minha mãe chorando, de dor, sem pança
Comigo no colo, me alimentando de seus seios
Comigo no colo, morrendo no leito.

Lavagem, os remédios se foram
Pois bastou um, pra eu me viciar de novo
Naquele trajeto, que perigoso eu sabia que ia ser
Aqueles barulhos, os tiros que eu estava para receber
Aquele lugar, que eu só sabia usar e beber
Assim que me usaram, eu comecei a saber
Assim que me paralisaram, eu consegui entender
Que a vida era assim, desde o anoitecer
Minha vida escureceu, mas eu gosto do preto
Do escuro, do luto, da raiva e do medo
Aprendi a gostar de rosa
E desgastar o vermelho
Pois o sangue jorrava, enquanto a cabeça dela arrastavam por uma mentira no enredo
Sua cabeça raspada, a arma, o medo
Me ensinaram a sentir ódio e desprezo
Eu tinha 15 anos, meu nariz não sentia
Eu tinha os meus cortes, que eu mesma fazia
Eu tinha meus pontos, que eu mesma achei que merecia
Eu tinha a minha mãe, que achou que naquele dia eu falecia
Eu tinha meu pai, que achei que lá estaria
Eu tinha meu irmão, que nem idade pra isso tinha.

Todos os meus problemas
Para dar sem receber
Aqueles olhos de criança
Se me verem, vão perceber
Que o brilho sumiu, a cor caiu
Vivo num mundo preto e branco, vazio, que eu desejo se tornar infantil
Jogar bola na rua, brincar de polícia e ladrão
Escalar as árvores, pegar e comer goiaba do chão
Eu tinha dez anos, e tudo se perdeu
Quando descobri o mundo, meu eu do bem faleceu
Eu queria morrer, pois meu caminho se percorreu
Chovia e dava trovoada, mas os raios eram meus
Evoquei espíritos, meus parentes falecidos vieram me ver
Tentaram me guiar, mas eu já não conseguia mais ver.

Recentemente, o sangue em meus dentes
Minha cabeça se rachou, não escuto mais nada de um dos meus tímpanos
Não tenho dinheiro para uma casa
Nem para um aparelho auditivo
Além de ter fechado meus olhos, eu perdi o medo
Que até então, guiava os meus erros
As cicatrizes, que eu gostava de na minha pele me partir
As leis, que eu tanto amava infringir
As regras, que eu fingia não existir
A minha única cicatriz que eu mesma não fiz foi um presente
Da arma que me atingiu
E quase fez eu deixar de existir.

Dar e sem receber
Meus problemas são meus
Narcóticos anônimos, foi o que me ocorreu
Injeções nas costas, nos músculos, nas rotas
Todos os meses, uma seringa diferente perfurando meus nervos, até eu não sentir mais meus ossos.
Todos os dias, remédios pra tirar meu ódio
Meus sentidos, para eu não sentir tanto rancor e desgosto
Comecei a escrever, voltei a desenhar
E quando saí de meu casulo, uma borboleta nas costas fui tatuar.

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