Não senti falta de dormir. Mal percebi as horas passando enquanto a conversa fluía. Relembramos alguns episódios do colegial quando éramos rivais no basquete. Descobri que Akashi-san também se lembrava com constrangimento de algumas de suas atitudes, falamos sobre isso e acabamos rindo do passado. Falamos dos colegas de time e dos amigos antigos.
— Lembra a primeira vez que você foi lá em casa?
— Casa? Akashi-san, aquilo era uma mansão. Acho que vocês tinham uns cinquenta empregados e mesmo assim era muito difícil esbarrar com um deles de tão grande que a casa era.
— Ah, eles são orientados a ter o máximo de discrição. Mas na primeira vez que fomos jogar sozinhos, você estava me olhando com uma cara muito engraçada, eu nunca entendi o que aconteceu.
— Bom... eu não faço ideia de qual era a "minha cara" na época, mas eu me senti deslocado em quase todas as vezes que fui para lá... E na primeira vez, acho que eu devo ter pensado que você era um ser desprezível por ser tão rico... — confessei.
— Ah! Então era isso! Você foi de um cachorrinho medroso para um cachorrinho deslumbrado e depois um cachorrinho esnobe comigo.
— Oe! Esse é um trauma que eu ainda não superei! Izuki-kun me chama até hoje de chihuahua!
As risadas silenciosas de Akashi-san apareciam cada vez mais e a sensação de fazê-lo rir era boa.
Quando nos conhecemos, ele era intimidante e um jogador muito arrogante (embora merecidamente já que o maldito era bom!), mas depois Kuroko-san explicou um pouco sobre a situação psicológica dele e sobre como Akashi-san era uma pessoa diferente antes... Meus receios ainda eram fortes até que nos encontramos numa confraternização e conseguimos conversar de forma adequada; era óbvio que Akashi-san teve uma criação diferenciada, era muito educado e cavalheiro o tempo todo.
E depois veio o convite de jogar um mano a mano em sua casa. Quase recusei a ideia, mas Kuroko-kun me convenceu a dar uma chance. Aparentemente, Akashi-san estava tentando se redimir de suas atitudes agressivas e prepotentes de antes e queria começar por mim.
Então eu fui, tremendo como um chihuahua, mas fui. E jogamos vezes seguidas até as provas chegarem e nossos objetivos se distanciarem.
— Fui muito infantil naquela época — ele segredou após um silêncio agradável.
— Crianças fazem coisas de crianças. É normal, ne?!
Ele negou com a cabeça.
— Eu devia ter ligado para você. — Eu o olhei sem entender. — Quando as provas passaram ou quando saiu o resultado do vestibular. Eu devia ter entrado em contato.
— Ah, mas foi um tempo turbulento. Tudo ia mudar a partir dali e a cabeça da gente fica rodando de tanta ansiedade.
Akashi-san negou novamente e olhou para o outro lado. Ele estava corando? Um tom suave de cor de rosa coloriu suas bochechas, não era impressão minha. O silêncio estava me deixando apreensivo, senti meu coração acelerar. Resolvi perguntar.
— Por que não ligou para mim?
Seus olhos afiados se voltaram para os meus e eu me recusei a desviar. A tensão no ar de repente ficou muito densa. Por que ele não falava nada? Minhas orelhas estavam queimando, se aquilo durasse por muito mais tempo, acho que minha cabeça iria derreter de calor.
— Não quero dizer — respondeu quebrando o contato e mirando a frente.
Após um instante, arrastei o olhar para frente também. Num primeiro momento, não entendi o que ele quis dizer. Depois fiquei chocado! Que diabo de resposta era aquela? Desde quando Akashi-san ficava vermelho? Desde quando dois homens de trinta e oito anos ficavam corados encarando um ao outro?
Tornei a me virar para ele de supetão.
— Quero que me diga — tentei ser resoluto.
Ele me olhou de esguelha e pareceu refletir.
— Quer mesmo? — Assenti vigorosamente. — E se eu me recusar?
Akashi-san brincava agora. O sorrisinho no canto dos lábios era a prova.
Pensei um pouco, precisava ser esperto dessa vez.
— O clima estranho vai continuar entre nós e vamos perder contato assim que sairmos desse avião. — Ele pareceu ponderar, mas não tinha sido convencido. — E você vai ser covarde pela segunda vez comigo, Akashi-san.
Engoli em seco quando ele me encarou descrente. Como esperado, a última frase pareceu ter espetado o orgulho dele, eu só esperava não ter exagerado demais.
— Você se tornou um homem perigoso, Furihata Kouki.
Guardei silêncio. Estava sendo teimoso e era ao mesmo tempo imprudente e divertido jogar com Akashi-san.
Ele suspirou antes de se render.
— Muito bem. Eu vou dar o que você quer, mas quero algo em retorno.
O sorriso do ruivo se tornou malvado ao ver meu receio.
— O quê?
Ele deu de ombros.
— Qualquer coisa que eu quiser... Ou vai me espelhar e agir com covardia? — Ouch. — Pense bem, eu não posso simplesmente ser forçado a contar um segredo meu sem ter nada em troca, não é justo.
— Eu não sabia que era um segredo... Não quero forçá-lo a nada, Akashi-san... — O tom emburrado era mais forte que eu.
— Hm... Mas você tem razão em dizer que é culpa minha se não nos comunicarmos de novo. Isso vai ficar como uma peça desencaixada entre nós...
— Certo. Mas me dê uma dica do que você pedirá em troca. Para eu medir os riscos.
Senti a expiração em minha bochecha quando Akashi-san riu. Estávamos a centímetros um do outro conversando aos cochichos agora. Quando isso aconteceu?
— Tudo bem... Eu vou querer... Que você leve uma coisa num lugar para mim.
— É ilegal?
Ele riu mais.
— Não.
— É vergonhoso?
— Isso é relativo.
— Então é.
— Kouki-kun... Temos um acordo ou não?
Olhei para ele, avaliando. Akashi-san sorria relaxado esperando.
— Ok. Temos um acordo. Agora, por que você não me ligou? E por que isso parece te deixar com tanta vergonha?
Ele se ajeitou na poltrona primeiro. Eu estava praticamente sentado de lado, mas permaneci assim. Ele se aproximou do meu ouvido e falou em voz baixa.
— Estava esperando você ligar primeiro. — O arrepio foi uma reação natural do sopro suave no meu ouvido, nada mais que isso. — Era sempre eu que mandava mensagem. Sempre eu que fazia perguntas pessoais. Comecei a pensar que talvez eu estivesse sendo inconveniente. Queria que você demonstrasse interesse também.
Antes que ele se afastasse o segurei um momento pela camisa.
— Eu achava que estava sendo inconveniente também! — exclamei aos sussurros. — Achei que estava te distraindo e fazendo você perder tempo comigo quando a sua agenda era tão apertada! E eu queria perguntar muitas coisas, mas eu não achava que podia por que você é... Você sempre foi muito superior, Akashi-san.
Nós dois voltamos aos nossos assentos e afundamos em nossos próprios pensamentos sem conseguir olhar na direção do outro.
Se a ideia era dissipar qualquer tensão, bom, eu sinto muito, só fizemos intensificar a densidade daquele climão.
Mesmo que não conversássemos mais, hoje eu não dormiria tão cedo.
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O azar de Furihata Kouki
FanficAos 38 anos, Furihata Kouki pensava ter idade o suficiente para dizer com propriedade que era alvo da maldade dos deuses. Tamanha maré de azar só podia ser justificada pela zombaria divina. Porém, o reencontro com um antigo conhecido de escola estav...