Pacificação

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     Cansada de assistir ao mesmo programa de variedades por mais de uma hora, levanto-me com a ideia de tomar um banho para relaxar. Minhas roupas marcam o caminho que percorro até o banheiro, meu reflexo no espelho entrega o esgotamento mental em que me encontro: olheiras profundas, lábios rachados e pele e cabelos ressecados. Estou, literalmente, um caco.

     Meu corpo ainda carrega cicatrizes de um passado sombrio que não me pertence, a magreza preocupante ocupa cada espaço da pele intocada. Quando me dou conta, já estou quase submersa na água quente e perfumada – graças aos sais de banho de nardos que encontrei no armário pequeno –, sinto que todos meus músculos relaxam como se eu não tivesse problemas inimagináveis para resolver.

     A água esfriara e minha pele tornou-se enrugada quando resolvo sair do banho, porém, procurar pela toalha em algum canto do banheiro grande, mostrou-se inútil, o que me desesperou brevemente até recordar-me que estava sozinha no chalé. Com isso em mente, saio cautelosamente, tentando tampar ao máximo meu corpo nu.

     Assim que chego ao meio do quarto, escuto um assovio vindo da porta do cômodo, tal qual, da a visão perfeita para minha situação embaraçosa.

     Viro a cabeça e meus olhos captam uma garota em trajes neutros encostada no batente da porta e com um leve sorriso marcando seus lábios, vejo confusão transparecer em seus olhos castanhos. Sua pele, clara como a neve, parecia reluzir, assim como os cabelos lisos e tão negros que possuíam um brilho azulado ao fundo.

     -- O que é isso, mulher?! – Tentou minimizar a situação constrangedora com seu tom zombeteiro e caminhou até mim rapidamente, tirando de trás de si a toalha branca e felpuda que tanto procurara.

    -- Vejo que o Jeon já se ocupou por aqui. – Entregou-me a tolha e envolvi-me rapidamente com a mesma. A morena transita pelo quarto até a cama, onde senta-se desleixadamente. – Pressuponho que seja a nova distração do garoto, certo?

     -- Só se for em outra vida. – Vou até o closet e percebo que só haviam roupas do brutamontes ali e me xingo internamente por ter trago apenas a roupa do corpo. Pego uma calça moletom preta e uma camiseta grande do mesmo tom e, como se não fosse vergonha o bastante para apenas um dia, sou obrigada a pegar uma cueca do garoto pois tinha esquecido do principal. – Ótimo, tenho um brutamontes estiloso em casa. – Murmuro enquanto me visto com a maior preguiça do mundo.

     Pensei que a garota já tinha ido embora quando terminei de vestir-me, mas, quando entro no quarto, a encontro dormindo de boca aberta e roncando ruidosamente. Não aguento e solto uma risada silenciosa, agradecendo por aquela cena maravilhosa. Como se soubesse que eu estava a olhando, seu corpo da um solavanco e ela acorda num pulo, quase me matando do coração junto.

     -- Garota, você é louca?! – Digo exasperada e com a mão no peito por conta do susto.

     -- Eu preciso de café. – Passou por mim como um furacão e foi para a cozinha, a observei vasculhar os armários em busca do seu tão precioso café e vi a mini comemoração que fez ao encontrá-lo. Ela abriu o pacote e cheirou auditivamente o aroma que escapava por aquele pequeno rasgo. – Nossa, esse garoto sempre tem o melhor café. Você vai querer?

     -- Não, obrigada. – Recuso gentilmente e preparo um achocolatado gelado para mim.

     De alguma forma muito estranha, eu me sentia confortável com aquela garota ao meu lado, me senti normal por alguns momentos, como duas amigas morando na mesma casa, mesmo que eu nem ao menos sabia o nome dela.

     -- Eu não me apresentei até agora e você deve estar me achando uma lunática. – Quebrou o silêncio presente após terminarmos nossas bebidas. – Me chamo Akemi e você? – Olhou-me amigavelmente, tentando me passar alguma confiança.

     -- Sou Angel, prazer. – Ofereci-lhe um sorriso amarelo que logo foi retribuído. – Você é amiga do garoto de mais cedo? – Minha curiosidade não aguentou por muito tempo e, quando notei, já tinha perguntado sobre o coelho marombeiro.

     -- Se o garoto de mais cedo for um moreno alto, mal humorado e, aparentemente, assustador então, sim, eu sou amiga dele. – Levantou da cadeira, encheu sua caneca com café pela segunda vez e voltou ao seu lugar. – O nome dele é Jungkook e ele é como um demoniozinho malvado quando quer, mas é um amor de pessoa no fundo. – Akemi terminou seu café em dois goles e deixou o copo na pia.

     -- É, vi de perto todo esse amor de pessoa. – Resmungo ironicamente e ela ri brevemente.

     -- Pensei que já tivesse ido embora. – Engasgo com o último gole do achocolatado ao escutar a voz séria de Jeon atrás de mim. Escuto quando caminha até a pia e sussurra algo com Akemi que não disfarça sua cara de deboche por algo dito pelo brutamontes.

     -- Jeon, você assustou a garota. – Akemi vem até mim e senta ao meu lado, começando a mexer no meu cabelo em seguida enquanto o garoto continua de costas para mim, parecendo manusear algo.

     -- Ela sabe que não deveria estar aqui. – Lança-me um olhar intenso por cima do ombro, que arrepia todo meu corpo em um sinal claro de alerta. Parecendo notar o que me causou, riu baixo e roucamente.

     -- Vou precisar te lembrar quem bateu na porta de quem? – Seu riso cessa e a carícia em meus cabelos também, Jeon vira-se completamente e me encara, o silêncio toma conta do cômodo até ser quebrado pela risada escandalosa da garota ao meu lado.

     -- Angel, eu te venero. – Ela aponta para Jungkook e curva-se rindo da reação do seu amigo. – Ninguém fez esse aí ficar quieto assim. A cara dele é a melhor parte.

     -- Você ficaria surpresa então. – Digo para que só ela possa escutar, porém tenho quase certeza que o garoto foi capaz de ouvir graças ao seu olhar raivoso em minha direção.

     -- Olha, a conversa está muito boa e tudo mais, mas eu preciso ir, ainda tenho que encontrar um pacote especial. – Disse após sua crise risos. Piscou para mim sugestivamente e fiquei com cara de boba tentando entender aquilo.

     -- Boa sorte com o maromba aí, Angel. A gente se vê. – Alisou meus cabelos uma última vez antes de ir até Jeon e dar-lhe um peteleco. – Trata a garota bem, Jeon. Não seja rude com ela. – A seriedade em seu tom foi surpreende, mas não tanto quanto a confirmação vinda pelo garoto junto a seu olhar estranhamente familiar.

     -- Tudo bem, Kemi. – Levou ela até a porta enquanto eu me mantive confusa sobre aquele breve momento de reconhecimento.

The chaos aheadOnde histórias criam vida. Descubra agora