CAPITULO 5

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*** capítulo sem correção ortográfica ***

Cindy

Meu nome é Cindy, como aquela modelo famosa dos anos 90. Aquela que tem uma pintinha charmosa perto da boca e as sobrancelhas mais perfeitas que já vi, sabe?
Cindy Marie Fontanelle, uma das herdeiras de Monte Mancante, filha única de Marie Fontanelle, uma das mais famosas estilistas da atualidade, entenderam agora o motivo da escolha do meu nome?
É,  pois é...
Mas além do nome e da altura, temos 1,75, não há mais nada em comum entre nós, sou apenas uma garota loira e sem graça, que adora fingir que se garante, quando na verdade mal suporta se olhar no espelho, enquanto ela é linda, tão linda que perdemos o ar ao seu lado, tão linda que dá vontade de bater lá na porta de Deus e falar, poxa, pegou pesado né? Tão linda que me vi sem voz a única vez em que a encontrei, em um evento de moda, uns dez anos atrás. Eu era só uma menininha nos bastidores, correndo de lá pra cá, fugindo da babá pra tentar ver alguma coisa, quando esbarrei nela sem querer e perdi o ar, muito embora eu tenha certeza que, se a visse hoje perderia novamente.
Ela não me viu, não de verdade, estava com pressa,  passou por mim, sorriu educadamente  esfregou meus cabelos, disse algo e se foi, isso não é ver alguém certo? Para ver de verdade é preciso parar, olhar bem dentro dos olhos, ver.
Se ela tivesse me visto de verdade, saberia que sou Cindy por sua causa, se tivesse parado mais um instante, saberia que eu estava ali, completamente sem ar por ela, se ela tivesse visto mesmo, nunca mais me esqueceria, porque eu tinha um poema guardado no bolso da minha jardineira exclusiva, um que fiz na escola e que tirei dez, era sobre beleza.
Era sobre ela.
Era sobre nós.
Mas ela não me viu.
E naquele dia eu descobri a diferença entre olhar e ver.
Cindy Crowford me olhou, mas não me viu.
Ela não foi a primeira que fez isso, mas foi provavelmente a primeira pessoa que notei fazer e com certeza não foi a última.
E isso mudou minha vida.
Não é engraçado o quanto os atos impensados e inocentes das pessoas podem mudar a vida de alguém? Talvez você também já tenha feito isso um dia, provavelmente eu já fiz, todos fazemos.
A verdade é que o mundo está lotado de pessoas que nos olham, mas poucas são as que nos veem de verdade. E isso é algo que não muda.
O tempo passou, e descobri que prefiro as pessoas como a Cindy, que me olham, mas que não me veem.
Gosto de pessoas que se entregam a mim, que sorriem para mim, gosto de pessoas que me admiram, que querem ser como eu, que aceitam o que tenho para dar, gosto de pessoas que não fazem perguntas, e quando fazem é só por mera formalidade.
Como você está?
Estou bem.
Okay, fim de papo.
Elas são as mais fáceis de lidar. Elas me fazem esquecer quem eu sou.
E eu preciso esquecer, dia após dia, preciso de pessoas que não me vejam, para que eu não enxergue meu reflexo em seus olhos.
É por isso que me cerco dela, e é por isso que eu fujo dele.
Ele me vê, lá no fundinho, lá naquela parte que nem minha mãe enxerga, ele vê, com seus insuportáveis olhos azuis da cor da paz, tranquilos, suaves, lindos, tão lindos que me deixam nervosa, que me fazem fugir.
E eu sigo fugindo, porque se eu parar um segundo sequer ao seu lado, se eu olhar dentro dos seus olhos de paz, ele vai enxergar o que eu não quero ver, ele vai saber e vai me odiar, e eu não vou suportar viver com algo assim.
Eu posso muito bem viver uma vida inteira sem o seu amor, mas não suportarei um segundo sequer com o seu ódio.
Então eu fujo.
Para longe dele, para os braços de outro alguém, um que não me olhe nos olhos, que só enxergue meu corpo e minha boca, um que sorria das minhas bobagens e que esteja fugindo de algo também.
Assim como foi com Nuno.
Ele tava fugindo da Stella, eu estava disposta a ajudar.
Nuno é meu amigo, meu melhor amigo, crescemos juntos, eu o amo, com todo meu coração,  mas ele não me vê.
Isso facilita tudo, quem não enxerga não questiona, e é disso que eu gosto.
Facilidades.
Assim como agora.
— Uau você é incrível sabia? — o rapaz diz ainda se movendo dentro de mim e reviro os olhos porque sei que provavelmente ele está falando de si mesmo, do seu desempenho supostamente fantástico, de como ele conseguiu segurar oitos incríveis minutos antes de gozar.
Não sou incrível, ele não me viu lembra? Ele saberia que não sou.
— Obrigada. — respondo ainda gemendo, não porque eu esteja fingindo, mas porque ainda não quero acabar com seu barato.
Ele tá bem bonitinho assim, fascinado com seu suposto pau incrível. Se sentindo o mister sexo.
Passamos mais alguns minutos nos beijando, ele pede para me ver mais uma vez, eu invento uma mentira qualquer, ele saca que está sendo dispensado, eu me sinto um pouco mal, mais por não me importar do que por ele mesmo.
Nos despedimos, ele sabe meu telefone, todo mundo em Monte Mancante sabe,  provavelmente vai me ligar, talvez eu atenda, talvez não, vai depender do tamanho da minha carência. Não gosto muito de repetir minhas transas, eles acabam achando que tem algo a mais acontecendo, mas nunca tem, eles não entendem, eles nunca entendem, como uma garota pode não se apegar? Isso não é normal.
Acontece que talvez eu não seja normal.
Então não me preocupo em explicar, não tenho tempo, estou fugindo, dele, de mim, da vida, do passado, do futuro.
Dirijo por mais ou menos quarenta minutos até chegar em casa, Monte Mancante está adormecida quando passo pela avenida principal, lojas fechadas, calçadas vazias, a tristeza solitária da noite, o silêncio que me sufoca, que grita meus pecados, a solidão que me aflinge, porque a cada dia que passa a certeza de que apenas uma pessoa é capaz de acabar com tudo isso se torna mais forte.
Quando paro o carro na frente da minha casa me surpreendo com o que vejo, embora não deveria.
É ele.
Mesmo de costas, com o capuz do moletom surrado na cabeça, com o cigarro na mão e a escuridão tentando esconde-lo de mim, é ele e eu sei, eu saberia mesmo se ele estivesse em um outro corpo, mesmo que ele fosse apenas uma alma penada, uma energia, uma luz, uma lembrança.
É ele, meu coração sabe, sempre soube.
Coração idiota e patético!
Respiro fundo e ignoro a pontada de culpa que sinto por estar chegando de um encontro, a maquiagem borrada, o cheiro de outro alguém em minha pele. Digo a mim mesma que não devo nada a ninguém, absolutamente ninguém já que sou emancipada desde o ano passado, por escolha da minha mãe que passa mais tempo na coxia de um desfile do que na companhia da única filha que tem.
Sem remorsos, na boa, as vezes a melhor forma de lidar com nossas merdas é fugindo e nisso Marie Fontanelle é especialista. Aprendi com a melhor.
Ivan se vira no instante em que bato a porta do carro com um pouco mais de força, coloco aquele sorriso falso que ele já conhece bem e caminho rebolando exageradamente ao seu encontro só porque gosto de ver como ele fica desconcertado quando tenta desviar o olhar.
— Se perdeu baby? — brinco mascando o chiclete de forma exagerada, não sei porque estou provocando-o, talvez seja porque estou com raiva de me sentir errada por ter passado a noite com um cara só para apagar a minha frustração, talvez seja porque ainda não consegui esquecer a droga do hematoma que aquela coroa maldita deixou em seu pescoço e que  ele ostentou durante todo o dia como um troféu de comedor do ano. Talvez seja porque mesmo depois de tantos anos, eu ainda me incomodo com isso, ou talvez seja pior, porque me dou conta que estou sempre de olho nele, em cada pedacinho dessa pele insuportavelmente bonita e irritante, verificando cada arranhão novo, cada machucado, cada beijo deixado de lembrança.
Ah Ivan como você me irrita.
— Ah oi. — ele joga o capuz pra trás e passa a mão no caos dourado que é seus cabelos, como se só então se desse conta que seu disfarce não funcionou muito bem.
Entenda Ivan, eu te reconheceria até debaixo dos escombros de uma catástrofe.
Ivan parece cansado, mas isso é algo comum, ele nunca dorme bem e as vezes a insônia cobra seu preço, talvez hoje seja um desses dia, ou talvez ele esteja aqui porque algo realmente ruim aconteceu.
— Aconteceu alguma coisa com o Nuno? — pergunto sentindo meu estomago se revirar, aperto o punho contra ele instantaneamente porque não sei se estou pronta para essa resposta.
— Não, ele tá bem. — ele diz com a voz seca.
— Maddie? Levi? Rael?
— Não.
— Ah meu Deus, seus pais? O Nick?
— Não, para Cindy, não aconteceu nada com ninguém.
— Então o que foi?
— Nada.
— Como nada? Porque diabos você está parado na frente da minha casa parecendo um psicopata a essa hora?
Ele franze o cenho, a carranca de sempre estampando seu rosto de menino e reviro os olhos cansada demais para qualquer tipo de conversa que possamos ter.
Conversar com Ivan é sempre desgastante, porque nunca posso ser sincera, preciso sempre manter a minha fachada de quem está bem, quando na verdade nunca estou, não ao seu lado. Ao seu lado sempre preciso me esconder, para ele não me ver.
— Nada demais, eu só estava passando e vi seu carro chegando.
— Passando? Está me vigiando Ivan?
— Claro que não, porque eu perderia meu tempo?
— Não sei, as pessoas tem manias estranhas, veja o Dom por exemplo.
— Eu não sou o Dom.
— Não, você não é.
Imagens de Ivan todo machucado, provocando brigas a toa e completamente sozinho por ai invadem minha mente e estremeço só de imagina-lo tão perdido quanto Dominic é.
Mas sei que Ivan não está bem, basta dar uma boa olhada para meu amigo que fica fácil perceber, ele ainda está usando o agasalho da educação física, o que deixa claro que sequer tomou banho e provavelmente não está vindo de nenhum lugar que não seja a escola ou sua casa e por mais que eu odeie admitir, sinto uma pontada de alivio ao perceber isso.
— O que você quer Ivan? O marido da tua coroa chegou?
— Porque ela te incomoda tanto? — ele cruza os braços na frente do peito daquele jeito arrogante que detesto.
— Ela não me incomoda. — minto porque a verdade é que toda mulher que chega perto dele me incomoda, tento dizer a mim mesma que é porque sou possessiva com meus amigos, mas quem eu quero enganar? Sou possessiva com Nuno, mas não me incomodo em saber que ele e a professorinha se acertaram, ao contrário, estou feliz por ele.
Já Ivan é diferente, sempre foi.
— Então deixa ela em paz. — ele diz de forma grosseira.
— Tanto faz, não dou a mínima. — puxo o cigarro da sua mão e coloco na boca ignorando a sensação de saber que ele esteve em seus lábios antes.
— A gente não tem um relacionamento.
— isso eu sei, a não ser que bigamia tenha se tornado legal aqui no Brasil.
— Me refiro a exclusividade.
— Já disse não ligo. — ergo o ombro e solto a fumaça no ar entre nós.
— Ela se diverte comigo e eu me divirto com ela.
— Ivan. Me poupe, são quase três da manhã e tudo o que eu não preciso é falar da Solana no meio da rua, amanhã tenho aula e preciso ao menos tomar um banho e tentar descansar um pouco.
Devolvo o cigarro para ele e meu estomago volta a se retorcer quando ele o coloca na boca, como se estivesse me provocando, ele o mantém lá por um tempo enquanto me observa.
— Onde você estava?
— Tá brincando comigo né? Eu não devo satisfação nem para minha mãe, o que dirá para você.
— Você não deve nada a mim, é só uma pergunta, não quer responder, não responde. — ele diz um pouco irritado.
— Não quero.
— Só espero que não seja com aquele maldito do Tony.
Meu coração dispara no peito e tento não reagir.
— Que Tony? — finjo não saber como a boa e velha cadela que sou.
— Não me irrita Cindy, você não é idiota.
— Não sei do que você está falando. — abro a bolsa e começo a procurar as chaves de casa para não ter que encarar seus olhos.
— Eu te vi no corredor conversando com ele hoje.
— E qual o problema? Sou proibida de conversar com as pessoas?
— Ele não presta Cindy.
— Baseado em que você está afirmando isso? No ciúme bobo do Nuno?
— Eu não gosto do jeito que ele te olha. — ele admite e solto uma gargalhada nervosa porque é a primeira vez em anos que Ivan admite algum tipo de ciúmes. — Isso não é engraçado.
— Ah é sim, muito.
— Não gosto que riam da minha cara.
— E eu não gosto de ser vigiada.
—  Eu não estava te vigiando, tava treinando e ouvi vocês no corredor.
— Eu estava indo embora e encontrei com ele no meio do caminho. — minto e dou graças a Deus por estar escuro, ou ele saberia que estou mentindo.
— O prédio de esportes não está no caminho do estacionamento.
— Eu fui buscar um casaco que esqueci no meu armário.
— Ele entrou no vestiário com você?
— Jesus Cristo! Você está realmente parecendo minha mãe.
— Isso não é engraçado.
Bufo e depois respiro fundo tentando me acalmar.
— Obvio que não,  eu o encontrei no corredor dos equipamentos de peso, acho que ele malha.
— Foda-se o que ele faz, só toma cuidado, por favor, eu sei que você não tem medo de nada, mas só se cuida.
Abro a boca para dizer que tenho medo de tudo e que por ter tanto medo é que faço o que faço,  penso em contar tudo para ele, é mais forte do que eu e por um segundo eu sinto que talvez se ele souber poderá me ajudar, meus olhos pinicam com as lágrimas que se acumulam e o cansaço que vem me deixando esgotada ameaça me fazer desabar, uma vozinha lá no fundo implora: conta Cindy... conta.
Mas então me lembro que não tenho o direito de coloca-lo nisso, eu fiz uma promessa a dois anos atrás de nunca envolve-lo nas minhas merdas, e vou cumprir. Além do mais, eu sei o que aconteceria se ele soubesse, Deus do céu, eu estremeço só de pensar nisso. Ivan não é conhecido por ser alguém paciente, embora sua carinha de bom menino engane quem não o conhece, ele tem a paciência do tamanho de uma ervilha e o punho de um lutador.
— Pode deixar. — digo em um suspiro cansado. — Agora preciso ir. — me despeço enquanto caminho passando por ele, ignoro o esbarrão que dou em seu braço e como me sinto com a sensação da minha pele nua em contato com seu moletom e continuo caminhando.
— Espera. — pede e paro ainda de costas para ele.
Ivan pigarreia, uma prova do quanto ele está nervoso e meu coração acelera.
— Fala logo Ivan, estou cansada.
Ele não diz nada, o tempo passa e me viro para ter certeza que ele ainda está aqui.
E ele está.
As mãos caídas ao lado do corpo, os ombros baixos, o rosto cansado de quem provavelmente não dorme a dias enquanto me observa.
E então eu sei, eu sinto.
— Quantos dias? — pergunto sentindo minhas defesas se desfazendo no momento em que noto que ele precisa de mim, é por isso que ele está aqui, porque agora ele não tem mais o Nuno e morreria antes de falar para seus irmãos sobre sua insônia, então ele abaixa a cabeça e passa a mão nos cabelos, completamente envergonhado e derrotado e todo o meu trabalho para me manter longe dele se desfaz.
— Não sei. — ele sussurra. Tão baixinho que se uma folha se movesse eu não seria capaz de ouvi-lo.
— Merda Ivan, cadê seus remédios?
— Não gosto daquilo, você sabe, me deixa enjoado e aéreo. Sei lá.
Ivan tem fobia a remédios, desde pequeno, ele é capaz de sofrer em silêncio só para não ter que tomar uma dipirona, isso faz com que sua presença aqui seja algo muito maior, ele está pedindo ajuda.
Caminho de volta até ele sabendo que estou jogando um jogo perigoso ao me aproximar assim, mas com a certeza de que não posso virar as costas quando sei que ele está tão vulnerável.
— Cadê o Nuno?
— Tá na Stella e você sabe, não posso ir até o Rael, ele tá cheio de coisas e a essa hora ele está dormindo.
Rael não sabe das suas insônias, na verdade só eu e Nuno sabemos, mas Rael sempre está disposto a ajudar qualquer um sem perguntar nada, isso faz dele a segunda opção de Ivan, já que eu estou fora da sua lista a algum tempo.
— Eu sei. — sussurro sentindo meu coração bater tão forte que tenho medo que ele possa me escutar.
Olho para sua mão,  aberta a espera da minha, os dedos estendidos em minha direção,  tento abrir meu punho, mas está lacrado, com tanta força que não consigo sequer move-lo.
Ele precisa de mim, mas não consigo chegar até ele, mesmo estando tão perto.
— A Solana não pode...
— Esquece, eu não deveria ter vindo. —  ele se afasta passando os dedos nos cabelos e olhando para o fim da rua, como se estivesse procurando algo.
Sua dignidade talvez.
— Ivan...
— Relaxa, eu to bem. — ele diz, erguendo seus lindos e suaves olhos azuis como se soubesse que não posso ajudá-lo.
— Desculpa é que eu...
— Ah não, não, não, por favor não faz isso — ele passa a mão mais uma vez pelos cabelos, o caos refletindo exatamente o seu interior. — Preciso ir.
Ele se vira, deixando-me em silêncio enquanto o observo se afastar, sentindo o tão familiar conflito em meu coração.
Uma parte aliviada por ele não ter pedido para ficar, a outra angustiada por saber que ele só precisava que eu lhe estendesse a mão.
E mais uma vez eu não o fiz, porque tenho medo do que ele vai encontrar a próxima vez que me ver.

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Olá pessoal!!!
Eu gostaria de dizer que estou muito feliz com nosso 1k de leituras, espero que esse casal lindo consiga conquistar muitos coraçõezinhos por ai.
E aqui está a nossa menina,  nossa bitch, e não é incrível como tudo parece diferente quando a gente para para "ver"?
Espero que vocês amem o que vão encontrar por aqui.
Beijos! E até sexta ♡

IVAN (capa provisória)Onde histórias criam vida. Descubra agora