Quase um ano depois.
Amar alguém, por mais que esse amor seja fruto de uma aventura rápida, eletrizante e nada convencional, é uma tarefa complicada, sufocante e, na maioria das vezes, um pouco dolorosa. Principalmente quando se ama e não se pode estar junto. O ato de amar, de se entregar de corpo e alma a alguém, de permitir que a outra parte preencha seus pensamentos, vire personagem indispensável de um futuro próximo e distante, toma de si algo que vai além apenas do perceptível carinho.
Quando se ama, uma parte da alma é compartilhada com a outra pessoa. Mesmo que isso signifique viver uma vida inteira com uma parte faltando.
Flávia soube que o amava, no momento exato em que o avião pousou no Brasil e ela, tendo acordado de um sonho onde estava ainda naquela cama, deitada em seus braços, quis pagar ao piloto para que a levasse de volta para a Itália, imediatamente. Estar longe de Guilherme, nos instantes iniciais após aquele momento, sem ter nada além do desenho e de um vazio no coração, causou nela uma dor excruciante.
Amar era, acima de tudo, uma merda.
Era uma merda porque amar Guilherme, o médico engomadinho, de nariz empinado, sorriso gentil e abraço acolhedor, fez com que ela não conseguisse parar de chorar por dias. Porque pensar nele, frequentemente com a mão em sua cintura, na sempre clara posição de posse — que nunca a incomodara, por incrível que fosse —, partia seu coração já cheio de largas e longas cicatrizes. Porque, pior do que tudo isso, imaginar que havia uma pessoa para quem o amor incondicional dele era direcionado e saber que essa pessoa não era Flávia a trazia para um redemoinho infinito de choro, tristeza e autopiedade.
— Flávia, acho que fica melhor se você conversar com o público, fazer alguma piada, sei lá... — Murilo começou, gesticulando e escrevendo "Pausa/Conversa" na lousa de quadro branco à sua frente — e aí cantar "Mitral". — estalou os dedos, como aprendeu trabalhando para Terrare — Todo mundo vai ficar esperando por ela.
— Amei! — Paula bateu palmas — Deixa eles felizes e depois faz eles chorarem! Parece aquele livro lá que você tava lendo, garota.
— "Mitral" vai ser a última mesmo? — Vandinha perguntou, se aproximando do outro lado da lousa e olhando as músicas cotadas para serem apresentadas. Ela vestia um longo vestido branco, combinando com a cor de suas novas mechas coloridas.
— Vai. — foi Flávia quem respondeu, engolindo em seco, brincando com o zíper da jaqueta. Não conseguiria performar algo a mais, depois de ter cantado essa.
Vandinha mordeu o lábio.
— Então fica melhor se a banda toda parar e você fazer um solo no piano. — Murilo assentiu, concordando com ela — Eu sei que fica legal quando entra o baixo, mas só o piano deixa bem mais melancólico.
— É triste de todo jeito, essa menina tava com o pé na cova sobre o amor. Eu, hein? — Paula rebateu — Mas com aquele piano fica bem "vou me jogar da ponte" mesmo.
Flávia esteve, realmente, no "pé da cova sobre o amor".
Quando é necessário fazer o reparo em uma válvula mitral, uma parte do sangue do paciente, ao invés de fluir para o resto do corpo e completar seu ciclo e, apenas então, retornar, reflui para o coração. A paixão que ela nutria por Guilherme, a qual deveria ter passado e ela seguido em frente, como a maioria das pessoas faz — como ela mesma fazia, quando terminava com alguém —, nunca completava o ciclo. Nunca chegava ao fim.
Retornava ao seu coração, corpo e alma como o sangue fazia.
"Mitral" era uma música de três minutos, tocada no piano, majoritariamente, escrita em duas horas, manchada pelas lágrimas dela, que intitulava o álbum da Pink, que havia sido indicada ao Grammy Internacional em várias categorias. Mas, antes de qualquer coisa, era uma música sobre Guilherme. Sobre como ela o amava. Sobre como o queria ali. Sobre como ele nunca estaria...
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HOTEL PIANETTI
FanfictionEnquanto viajava para a Itália, Flávia encontrou um companheiro de viagem um tanto diferente. [FlaGui | Short-Fic]