Capítulo 1 (Amostra)

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"Eu não deveria ter ido dormir tão tarde" foi a primeira coisa que Davi pensou naquela manhã enquanto tentava chegar à escola. O trajeto era curto, mas o ônibus estava tão cheio que percorrer o caminho entre a porta da frente, passando pela catraca, até a porta dos fundos parecia mais um daqueles treinos pesados de academia. Ainda mais no verão e com uma mochila pesada. Só quem pega ônibus lotado é quem sabe.

O esforço para atravessar aquele mar de gente, que tragicamente cabia dentro de um busão apertado, pedia tanta concentração que Davi se esqueceu por alguns instantes do sono que sentia por ter ido dormir de madrugada, depois de dividir a sua atenção entre o MSN Messenger e uma nova série que estava fazendo muito sucesso, The O.C., bem no dia em que as aulas voltariam. Foram praticamente dois meses indo dormir tarde por ficar navegando por horas a fio na sua novíssima internet banda larga. A tecnologia, que antes era coisa de gente rica, foi ficando mais popular até chegar na casa de Davi e ser dividida entre o seu núcleo familiar e o de seus vizinhos. Sabe como é, na periferia se aprende a dividir tudo desde cedo.

O ponto é que, apesar de estar no MSN, Davi nem tinha ficado conversando sobre assuntos profundos ou fofocas quentes com seus amigos. Na verdade, ele nem tinha muitos amigos, o que achava até bom. Assim ele conseguia acompanhar os dramas adolescentes e relações complicadas de Marissa Cooper e companhia limitada na série de TV. Aquilo era tão intenso, fresco e encantador, que Davi daria tudo pra poder viver um romance como aquele que era mostrado na ficção. Ele, que nunca nem havia saído de São Paulo, se imaginava morrendo de amores por alguém em uma praia do sul da Califórnia, caminhando no final de tarde enquanto gaivotas voavam, tendo de fundo uma música de alguma banda alternativa que provoca emoção em gente descolada. Davi, inclusive, achava que não ter música era um dos problemas da realidade, por isso fazia questão de carregar o seu discman pra cima e pra baixo, numa tentativa de preencher os silêncios da vida com alguma trilha que desse mais sabor ao seu dia a dia parado de estudante.

Quando a série dava um break, Davi voltava para o Messenger. Seus poucos contatos se resumiam a alguns primos e amigos virtuais, mas estar online e disponível no trocador de mensagens instantâneas significava ser tão antenado, moderno e adolescente, que só isso fazia valer as conversas superficiais que mantinha com pessoas aleatórias. Geralmente não passavam de "oi, tudo bem? E as novis?", principalmente porque os envolvidos eram, em sua maioria, jovens de 12 ou 13 anos, incluindo o próprio Davi. As trocas de mensagem, na verdade, não tinham muito assunto além de alguma matéria nova que saiu na revista Capricho, dos clipes que estrearam no Disk MTV daquela semana; no máximo, saíam da esfera das celebridades da imprensa se falavam sobre alguma paquerinha na escola ou de fofocas de algum conhecido que tivesse finalmente beijado na boca e perdido o BV.

Era final de janeiro, Davi estava no ônibus lotado, indo para o lugar de sempre: um colégio católico em que sempre estudara. Ele se via prestes a iniciar um novo ano letivo, mas numa nova classe com novos amigos — isso porque a sua mãe, sempre muito ocupada trabalhando de domingo a domingo, às vezes perdia o dia da matrícula. A consequência dessa perda acabava por fazer com que Davi fosse encaixado de última hora na sala que tivesse menos alunos, sendo sempre uma turma diferente a cada série.

Naquele ano não foi diferente: chegando na escola, já bem perto do horário do começo da aula, Davi se dirigiu a um painel onde ficavam as listas de todos os alunos e suas respectivas classes. Ali constatou o que já desconfiava: lá estava, na lista de uma sala nova, ao lado de mais dezenas de alunos cujos nomes Davi nunca tinha visto antes, com poucas exceções. Sua escola tinha por volta de 7 classes para cada série, e cada classe tinha por volta de 40 alunos. Ou seja, cerca de 280 estudantes por série, o que tornava quase impossível conhecer todo mundo.

Armário Vazio Não Para Em Pé: Baseado Em Closes, Corres e Fatos ReaisOnde histórias criam vida. Descubra agora