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Yua se lembrava nitidamente do dia em que o reencontrou, há três anos.
Aqueles olhos que um dia refletiram um propósito tão nobre agora estavam vazios, como se toda a luz tivesse se apagado. Sob a iluminação fria e pálida do ambiente, enormes bolsas escuras denunciavam que o garoto à sua frente não dormia há dias. O corpo magro e a pele pálida revelavam que a exaustão física e mental não eram as únicas a corroê-lo; o uso recorrente de drogas parecia ter lhe drenado a vida.
O cheiro de sangue era quase nauseante, uma mistura de ferro e decadência. As vestes de Mikey estavam manchadas com um vermelho escarlate familiar para Yua, que sentia o gosto metálico na boca apenas por vê-lo. Suas mãos, cobertas de sangue fresco, seguravam o cigarro com descaso, como se a vida e a morte não passassem de uma trivialidade.
Sentado de maneira desleixada, ele recostava a cabeça contra a parede de concreto manchada, o corpo sem vida da vítima ao lado dele. Era um cenário quase surreal; a cena parecia ter sido arrancada de um pesadelo que Yua não conseguia escapar.
Ainda assim, mesmo com a aparência destruída e os traços endurecidos pelo tempo, ela reconheceu quem estava ali. O homem diante dela era Manjiro Sano, o garoto que um dia fora o amor de sua vida, agora o temido líder da Bonten, a única organização criminosa no Japão que representava ameaças financeiras e territoriais para a Yakuza — o alvo que ela fora destinada a eliminar.
Ele ergueu os olhos na direção dela e um sorriso lateral, quase debochado, se formou em seus lábios pálidos e rachados.
— Há quanto tempo, Yua. — A voz dele era grave, arrastada, cada palavra carregada de ironia.
A última tragada foi longa, e ao soltar a fumaça pela boca, ela se dissipou lenta e pesadamente no ar estagnado do lugar. Mikey apagou o cigarro no chão de concreto, o cheiro do tabaco misturando-se ao odor metálico de sangue. Ele suspirou profundamente, os ombros magros subindo e descendo, como se aquela fosse sua última chance de respirar.
Yua sentiu a mão tremer, sua pesada Beretta M92 ameaçando cair dos dedos. Lágrimas turvavam sua visão, e seu coração batia acelerado, como se implorasse para sair de seu peito. Ela nunca tivera dificuldades para puxar o gatilho — a arma fazia parte de suas mãos. Mas agora, com ele diante dela, toda sua segurança se desfez em uma fraqueza devastadora.
“Patética,” pensou, tentando segurar a raiva contra si mesma. “Fraca.”
Quando ela se tornou uma assassina de aluguel, achou que havia eliminado toda vulnerabilidade que pudesse comprometer seu trabalho. Treinada pela Yakuza e pelo legado de seu pai, Yua se orgulhava de ser uma das melhores agentes executoras. E agora, ali, não conseguia atirar. A lembrança do tempo que passou com Manjiro estava gravada em seu corpo, em sua mente, em sua alma.
Mikey se levantou devagar, os passos ecoando pelo chão úmido. O cheiro de tabaco e perfume importado preencheu o ar ao redor de Yua. Ela se manteve imóvel, o olhar fixo nele, sem coragem de se mover ou reagir.
