Quem poderia imaginar, que do fundo do mar iria emergir o "pior" dos sentimentos para um anjo como Caliel?
Após aquela noite turbulenta e da confortante proteção do Arcanjo Rafael, que apesar de não ter entendido muito bem seu propósito, se mostrou um ótimo guerreiro que protege um soldado ferido até que esteja pronto novamente para a batalha.
Aquela nuvem que cobria o sol deu espaço para que outras nuvens a abraçassem e formassem um temporal que desabou antes da chegada da Lua.
O único lugar onde pude me refugiar foi a árvore Siivet. Aquele lugar era tão puro que eu podia sentir a energia antes mesmo de avistá-lo. Suas folhas azuis estavam carregadas de água, mas não caía uma gota no chão.
Peguei uma pedra e comecei a raspar um pouco do seu caule para escrever a quantidade de luas que eu veria ali naquele lugar. Era estranho que enquanto a chuva caía, podia ouvir o som de tambores que vinham da direção sul. Era como tambores e gritos de alegria. Depois de um tempo, aquele som parava, mas eu não questionei. Aos poucos, percebi que algumas noites aquilo se repetia.
Siivet era cercada de outras árvores, mas ela se destacava, pois era única naquele lugar. Durante a noite era como um farol multicolorido, de cores que nem eu mesmo havia visto antes.
Eu me encontrava entediado, até encontrar um objeto rígido coberto pelas folhas que haviam caído da árvore. Limpei aquele lugar, retirei a areia, as folhas e percebi que o objeto era um livro, com a capa feita da mesma madeira de Siivet, uma tinta dourada e uma pena. Parecia a pena de um serafim, a mais bela.
Esse livro branco se tornou o que hoje ficou eterno, pois tenho certeza que ele ficou eterno. Algo me dizia que ele se tornaria eterno. Mas, escrever mesmo, só veio a acontecer quando o necessário aconteceu. Naquele terceiro dia, eu estava ansioso pela chegada da Lua, que viria mais tarde, mas aquilo me inspirava demasiadamente.
Depois de conhecer as ilhas, eu estava decidido a conhecer as águas. Então, segui de volta até a praia, admirando a grandeza e imensidão do mar. Ali, duas coisas me chamaram atenção, a água do mar e a montanha que descobri ser um vulcão. Fiquei a admirar, ainda sem dar-lhe um nome, pois faltava-me inspiração. O fruto da árvore Siivet havia me dado energia de anjo e assim deixei que minhas asas surgissem novamente.
Aquela não era ainda a forma perfeita, mas eu podia enfim voar. Vi que havia um adorno de oliveira sobre a minha cabeça, e aquele era mais um sinal de força. Quanto ao tempo, eu tinha dessa vez dois quartos de tempos para voar como um anjo.
Em um leve impulso, voei, dessa vez mais alto e mais veloz. Tão alto quanto o voo das águias. Eu podia sentir o vento afagar o meu rosto e cirandar entre os pássaros que vinham em revoada. E ali, do alto, pude ver que as Ilhas Baro pareciam três pegadas sobre a areia, em forma de pedaços de terra sobre a imensidão do mar.
Naquele dia senti a liberdade sobre mim, pois não havia o fluxo de anjos voando sobre o céu e aquele lugar era cada vez mais só meu.
Passei por cima da montanha Enkeli, depois pelo vulcão. Eu sentia a energia de cada elemento da natureza e assim, voei até o alto, até que pudesse sentir o ar ficar ainda mais raro.
Notei que o mar e o céu pareciam fazer parte de uma pintura, com tons claros e escuros. Naquele lugar, as nuvens estavam mais dispersas, deixando o azul celeste ainda mais vivo. Eu parecia estar em um cilindro azul, com uma perfeição absolutamente incrível.
Desci ainda mais, até que pude sentir o molhado da água em meu pé. Aquele era o momento ideal para usar uma das minhas virtudes. Nem as densas águas me impedia de enxergar o que estava ali embaixo. Fechei os olhos, me concentrei e então, consegui ver as águas e toda sua dimensão transparente como um vidro. Vi cardumes, de várias espécies, vi corais e criaturas ainda desconhecidas para mim. Confesso que não disfarcei o sorriso em minha face ao ver a beleza do mar da Terra.
Completamente fascinado, enfrentei o desafio e entrei nas águas. Senti o poder que cobria todo o meu ser, pois conseguia sentir dentro de mim o verdadeiro significado do que era a criação divina. O Altíssimo estava deveras inspirado quando criou a Terra.
Quanto mais fundo eu ia, mais eu admirava os peixes e a diversidade deles. Conhecia no céu um anjo que sabia o nome de quase todos, que certamente me ajudaria ali. Mais abaixo estavam os tubarões, que pareciam saber quem eu era, pois faziam gestos como uma reverência em minha direção.
Mas, algo aconteceu ali, porque após as minhas observações senti a sensação de que estava sendo vigiado por algo ou alguém. Era um sentido muito aguçado e fui procurar de onde vinha aquilo.
Percebi que atrás de mim, um grande aglomerado de cardumes se aproximava, montando uma muralha, uma cortina. Senti a mesma sensação daquela noite. Foi um medo, um receio forte de algo maligno se aproximar, sendo cada vez mais uma energia mais forte que eu. Atrás daquela cortina havia alguém a me observar e eu já sabia de quem se tratava.
- Maldito tritão. Apareça! - invoquei-o.
Logo, a beleza daquelas águas se tornaria um pesadelo para mim, um ser angelical que não conhecia o mundo das sombras. Com espanto, perdi completamente os sentidos. Eu jamais poderia imaginar que veria aquela criatura ali tão perto de mim. Era um ser gigante, tão grande quanto as árvores do céu. Era tão extenso quanto a areia da praia.
Estático, sem reação, observei enquanto se aproximava, bem lentamente. Fiquei desesperado com aquilo. Dentro de mim, algo me dizia que aquela era uma das maiores baleias do mundo. Eu nem a conhecia, mas já tinha pavor a elas.
Desesperado e assustado, movimentei os pés para nadar até a superfície, pois eu havia esgotado meu poder e as minhas asas já estavam recolhidas. O meu tempo havia acabado e estava como um homem comum, com os poderes comuns de um homem.
Tentei naquele momento gritar pelo Arcanjo Rafael, mas foi em vão. Águas e mais águas foram tomando conta do meu corpo, até que eu vi a figura daquele homem cauda de peixe se aproximando. Era dele a presença maligna, que vinha próximo à baleia.
Foi ali que desmaiei, no fundo do mar.
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Pedra Azul
FantasyHouve peleja na Ilha. Rafael e seus anjos pelejaram contra o tritão. Também pelejou o tritão e aquele a quem amava. Todavia não prevaleceu, tampoco se achou lugar para eles, nem na ilha, nem no céu, somente no mar.