CAPÍTULO II

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Somos apenas duas almas perdias nadando em um aquário
-- Pink Floyd – Wish you are here



Os ciclos passaram rápido em Vale Alabama.

O inverno anunciava seu fim com os ventos quentes vindos do Norte que traziam uma inebriante sensação de vida e salpicavam o relvado verde das colinas a Oeste com pequenos pontos amarelos, brancos e vermelhos.


Marianne deixou o desconjuntado casebre que era a Sala de Instruções e respirou profundamente antes de contorná-lo, passando debaixo das janelas por onde voou diversas vezes nos últimos meses, perdida em memórias fantasiadas de terras desconhecidas.

Continuou andando pelos fundos do Templo de Cura e pegou a trilha de terra, que surgia na praça ao lado da prefeitura e ladeava o templo, indo em direção ao bosque no topo no Morro Norte.

Destacado da orla do bosque, a frente, ficava um grande salgueiro cuja copa cobria de sombra uma boa área em torno e foi ali que Marianne parou para observar a grandiosidade da árvore e as marcações, antigas e novas, que entalhavam o tronco.


Não havia um registro oficial de como, quando ou quem começara com a prática, mas se perguntado a qualquer habitante de Vale Alabama, a narrativa seria a mesma.

"Foram os peregrinos, quando vieram construir o posto de parada da Rota Férrea, Yé.", eles diriam. 

"O bosque ainda era jovem, bem jovem, é o que se diz, e o salgueiro já despontava em altura e idade, pois sim, além de ser o único deste tipo por esses lados do Mundo Civilizado. E, reparando nisso, o chefe novo posto resolveu mandar que derrubassem a árvore primeiro, pois queria o artesão trabalhando pra já em seus móveis, com aquela madeira especial. Só se esqueceram de perguntaram pra árvore se ela queria virar mesa e cadeira.

"Durante seis dias os peregrinos tentaram derrubar o salgueiro, usaram de tudo, serrotes traçadores, machados, facas, colheres, dizem que até os dentes um eles tentou usar e acabou tendo que visitar o dentista, , e, então, no sétimo dia desistiram.

"Descrente de que a árvore poderia ser derrubada, o chefe do posto ordenou que o artesão entalhasse no corpo daquela árvore mágica o registro da presença deles ali, e assim foi feito, com todo o respeito que um artesão pode ter com aquilo que cria.

"Os ciclos passaram e quando a Linha Férrea começou a funcionar, e o posto iniciou suas atividades de posto, o registro já tinha sumido, engolido para dentro da árvore, e lá está até hoje, protegido do De'hir. O posto se tornou a Vila Alabama e continuará assim enquanto o salgueiro nos proteger, pois sim."

Verdade ou não, o fato é que por várias gerações de moradores, e mesmo visitantes, a árvore é utilizada como um muro-de-desejos-e-promessas, passando a ser conhecida por Árvore dos Votos. A crença diz que enquanto as inscrições forem visíveis no corpo da velha árvore o desejo ainda estará vivo permanecerá protegido enquanto a árvore existir.


Marianne olhou por cima do ombro uma última vez e tocou com suavidade as marcações no corpo da árvore, sem dar atenção especial a nenhuma delas, pois nenhuma realmente lhe interessava – ao menos não que ela soubesse. Agachou-se, por fim, junto as raízes grossas que brotavam da terra enquanto a mão direita procurava pelo bolso interno do vestido verde-água, uma abertura lateral escondida nos frisos da cintura.

— Aí está você! Lhe procurei por todos os lados, Yé!

A mão direita se deteve e os olhos se fecharam por um segundo antes de pôr-se de pé para recepcionar a amiga.

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⏰ Última atualização: Jun 13, 2022 ⏰

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