Apenas uma garota de cidade pequena
-- Journey – Don't stop believing
Perdidos em contemplação através do próprio reflexo, os olhos azuis sequer piscavam. Fitavam, além da janela empoeirada da Sala de Instruções, o infinito céu de um denso azul, a oeste.
Marianne, que sonhara acordada com terras desconhecidas além do horizonte, acabara de despertar para as últimas palavras da instrução.
— ...e assim o Fim se resume. Em solidão — concluiu o Curador Serafin, pontuando.
O homem observou a reação dos jovens por um instante e deu-se por satisfeito. A lição de hoje era pesada para a idade da maioria, mas eles haviam escutado atentos durante a última hora.
"...menos Marianne..."
pensou e seu semblante murchou um pouco. Com um suspiro fundo e de sorriso renovado, apontou a porta da Sala de Instruções — Vamos, vamos! Haste! Podem sair, estão liberados. A vida não é tão longa para que percam mais tempo com um velho como eu.
De pronto as classes e cadeiras começaram a dançar pelo velho piso de madeira em uma comitiva de sons estridentes e desordenados.
Recostado sobre a mesa no canto, onde raramente sentava-se, o Curador se limitou a observar o ímpeto juvenil e destinar um adeus com um balançar de cabeça ou um acenar de mão a cada um que saía. Seguiu Marianne com os olhos. Diferente dos colegas, a jovem não tinha pressa em deixar a sala.
— Marianne — chamou —, posso lhe falar um instante?
A garota meneou em anuência.
— O que há contigo, Marianne? — questionou o Curador tão logo o último jovem cruzou a porta em retirada. — Tens andado distraída e não é de hoje.
— Não sei, bem, quero dizer, estou pensando no tempo que passou e, você sabe, já estamos no alto-inverno...
— Então é isso.
— Sim — continuou a garota sem destinar olhar para o Curador, mantinha a cabeça baixa e coçava o braço direito —, logo chegará o Festival das Flores e meu dia. Sinto... sinto falta.
Não estava mentindo, porém tampouco falava a verdade.
— Minha criança. Minha querida — disse, colocando as mãos gentilmente sobre os ombros da garota que respondeu com o olhar. Serafin sorriu amável por trás da barba cinzenta bem aparada, os olhos castanhos faiscavam de forma gentil. – Não há mal algum em sentir falta das pessoas que amamos e que, de modo ou maneira, não estão mais aqui.
— O senhor está certo como sempre, Curador Serafin.
As maçãs do rosto de Marianne, salpicadas de fagulhas, arquearam armando o melhor-sorriso-falso-possível, que se tratando dela não era pouca coisa, e continuou: — Gradeço-te a preocupação, já me sinto melhor. Queria poder ficar um pouquinho mais, mas tenho que ir pra casa. Sabe como Mestre Fanper é quando me atraso.
— Conheço bem como ele pode ser quando qualquer coisa lhe perturba, é bem verdade. E como está Karin e a fazenda? — questionou-a. A preocupação era sincera, embora a resposta já fosse conhecida.
— Está tudo no seu devido lugar, sim. Nem me recordo quando não estiveram. Vamos manter assim, Yé!? Bom fim de ciclo Curador.
Sem esperar por resposta ou autorização, Marianne, acenou com a cabeça, arremessou um adeus por sobre o ombro e saltou porta afora. A pele do braço direito ardia avermelhada sob a manga longa do vestido.
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A Rosa e o Trevo
Genel Kurgu"As Rodas do mundo não param." Em um mundo deslocado no tempo e dividido pelos homens e suas convicções, diversas vidas acabam interligadas pelas Rodas que definem o equilíbrio da existência. Tal equilíbrio, entretanto, parece estar ameaçado quando...