Capítulo 50 - Mês 6

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Mal lembro como chegamos no hospital. Minha cabeça rodava no mesmo tópico. Meu pai. Não nos víamos pessoalmente há anos. Mal escutei sua voz dentre os últimos meses. Maior parte do tempo era como se eu não tivesse família. Se não fosse pelas minhas irmãs mais velhas eu poderia bem esquecer de que um dia convivi com os meus pais. 

Mas estando no hospital, com minha mãe chorando no meu peito, captando a preocupação nos rostos das minhas irmãs, a realidade bateu de modo diferente. Sentia uma estranho vácuo. Não era medo. Nem remorso. Muito menos saudade. Eu apenas não conseguia sentir. 

Meus braços em volta da minha mãe pareciam rígidos e mecânicos, como se eu estivesse me forçando a fazer isso. Confortá-la. 

- Ele não pode morrer, não pode. - Sussurra contra a minha camisa. 

Queria poder dize-la que tudo ficaria bem, mas minha boca parecia autônoma e se recusava a abrir ou projetar qualquer som. 

Em algum momento o médico apareceu para noticiar o ocorrido. Tento fazer com que suas palavras fizessem sentido. Ele disse algo sobre concussão, o que afirma ter sido sorte, depois complementa sobre ambas as pernas estarem quebradas e um deslocamento de ombro. Mais uma vez ele aponta a sorte do impacto não ter causado mais...

Desconecto após a explicação principal. 

Um certo alívio predomina sobre a inércia de sentimentos. E isso me deixa mais tranquilo, eu era humano afinal de contas. Sentir alguma coisa quando seu pai está no hospital era necessário, mas não tinha certeza se o alívio foi  pelo fato dele estar bem ou porque, com ele vivo, eu poderia sair daqui mais rápido. 

Ao olhar para a minha mãe, reparo que o medo diminuiu, assim como o seu choro. As linhas de expressão se tornaram mais marcadas diante da face triste. 

Eu mal a reconhecia. 

- Viu, mãe? Ele vai ficar bem. Não se preocupe. Agora o que temos que fazer é esperar. - Lian abraça a mais velha, seus olhos recaem sobre mim. Ela era irmã que eu me tornei mais próximo após sair de casa. Mas desde que me mudei nossas interações diminuíram. 

- Cadê a Annchi? - Nossa mãe diz, após segurar a minha mão. Tendo o suporte de dois dos seus filhos agora. 

- No banheiro. Mandei mensagem avisando que está tudo bem e as notícias do médico. - Lian me olha mais uma vez e acrescenta. - Ela vomitou muito. Está bem abalada. 

Não respondo. Talvez eu fosse o único que não estava sentindo muita coisa. 

- Você está mais magro. Está bem? - Olho para minha mãe, imaginando que esteja apenas desviando sua atenção para não pensar no fato de seu marido estar em uma cama de hospital. 

Aceno. Não acho que conseguiria falar. 

- Eu pensei tanto em você. Ele não pode partir sem ver você antes. Sentimos sua falta. - E, com isso, ela volta a chorar no peito. 

Para me distrair rodeio os olhos pelo corredor à procura de Lucca. 

- Ele está na cafeteria com a Li. As suas irmãs mal sabem lidar com crises. - Lian responde a minha pergunta não dita. 

Não sei como Lian conseguia me ler, mas quando ela segura a nossa mãe, dizendo palavras reconfortantes e a afastando de mim, queria agradece-la. 

- Vamos descansar. O papai vai ficar bem, mas você precisa ficar bem também. Quando ele acordar e te ver assim vai ficar chateado. 

Lian consegue administrar as crises de choro da nossa mãe com destreza e eu me senti aliviado por isso.

- Pode ir. Mas volte para vê-la. Eu sei que é demais pedir isso de você, mas nem que seja apenas uma vez. Volte semana que vem para vê-los. - Lian sussurra em nossa outra língua materna. 

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