II - Zarpando

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Conforme o mundo escurecia, os olhos de Eduardo se enchiam do mar, a mente divaga e deslizava suavemente para o começo de todo aquele caos. Pensar que tudo tinha se iniciado com uma mensagem sinistra, vinda de além mar, em um dia que deveria ter sido tão memorável...

Tudo havia começado como uma viagem repentina, e para os padrões do rapaz, muito estranha. Tinham acabado de comemorar seu aniversário de 18, com uma breve e tranquila festinha na casa da família, quando a mãe recebeu um telegrama. Não bastava isso, em pleno século 21 recebendo um telegrama, mas o olhar de Sofia se arregalou num susto. O que quer que estivesse naquele pedaço de papel, claramente a tinha chocado. Ela chamou o marido a um canto, e ambos foram ao quarto cuja porta se fechou logo depois.

Eduardo obviamente não ia deixar de espiar, curioso e preocupado com o conteúdo do bizarro telegrama, portanto se pôs de pé e foi até a porta do cômodo. A mãe, o sotaque inglês aparecendo com força total de repente, parecia exasperada.

- "Vovô morreu". É tudo que estava escrito. - A voz dela soava pesada, e ambos pai e filho sabiam muito bem o motivo. Sofia era muito apegada ao avô.

A mulher havia começado como atriz, com cerca de 20 anos. Veio ao Brasil em um programa de intercâmbio da faculdade de teatro, e bastou alguns dias para se apaixonar pelo lugar. Tudo era lindo, colorido, alegre e vibrante de cores e de música. Quando conheceu o jovem Tomás, que à época tocava viola no bar para ganhar a vida, acabaram percebendo como seus corações pareciam vibrar em sintonia.

Ela se mudou para o Rio logo em seguida, e desde então morava na capital. Tinha participado de peças, novelas, e feito sua carreira. Para sustentar os dois, o homem havia começado a trabalhar em um escritório de uma empresa de roupas de grife, embarcando na onda da esposa - sempre estilosa, ela adorava roupas belas e elaboradas, então porque não? - e conforme Sofia crescia como atriz ele subia na hierarquia da empresa, logo alcançando o topo e se tornando um dos executivos mais importantes. Foi nessa época que o filho nasceu, e afim de dar a ele o devido amor de uma mãe, a loira havia abandonado os palcos e as telas. Ainda era apaixonada pela arte, pelo Brasil e por seu marido, e mesmo sem seguir seu emprego ela era bastante feliz.

O lado ruim? Nunca mais voltou para a família. Estava sempre cheia de projetos e mais projetos quando ainda era uma estrela, e depois disso não tinha desejo nenhum de voltar pra o Reino Unido. Era um lugar cinza, apagado, com um povo frio e sem graça a seu ver. Gostava de pensar que deixou a Inglaterra pra trás, substituindo o cinzento pelas cores mais brilhantes do mundo, mas a realidade era que sua terra nunca havia a abandonado de verdade.

Mesmo assim, a irmã - Rachel - ainda lhe enviava mensagens recorrentes sobre o estado da família. Vez ou outra, enviava uma carta - aparentemente ela achava aquilo mais chique que mandar emails, vai entender - mas nunca uma tão curta, vinda de tão longe, e com tanto senso de urgência quanto aquela. Sabia bem da condição do avô já a um bom tempo, mas aquilo tinha sido um baque em seu coraçãozinho alegre.

- Com câncer na idade dele, querida... Ele resistiu o quanto pôde. - O homem tentava ao máximo acalmar sua esposa, e logo Ed escutava o choro abafado dela junto a seu pai, que pelo visto havia enfim a abraçado.

Henrich Rowan, patriarca da família, estava a vários anos fazendo tratamento de uma doença "misteriosa" que se instalou em seus rins. A princípio pensaram que fosse apenas uma infecção comum, mas logo ele precisou fazer diálise diariamente, quando os órgãos pararam de funcionar.

Com mais de 80 anos nas costas, os médicos acharam pouco viável um transplante, e o rabugento e teimoso Sr. Rowan estava fadado a ficar naquele estado dali em diante. Dois anos atrás, seu estado havia piorado, e um ultrassom bem feito enfim revelou o tumor que se formava, crescendo a meses sem a devida atenção. Antes que qualquer possibilidade de cirurgia fosse levantada, o tumor sofreu metástase, e o bisavô de Ed nunca mais levantou. Desde então eles sabiam que era apenas questão de tempo, mas continuaram suprindo e cuidando do idoso enquanto ele ainda tivesse forças pra viver - e reclamar, como ele adorava reclamar. Pelo visto, finalmente a morte havia caído sobre Henrich.

As Crônicas de Aetheria - A Espada das ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora