POV Flávia

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Murilo encarava confuso o misterioso homem sair apressado do café.

- Ué, você não tinha dito que a de hoje seria irresistível?

A garota apenas sorriu como um gato que acabou de devorar um passarinho.

- E será! Confia em mim.

Murilo se virou para ela com as mãos na cintura.

- Não quero ver você se magoando novamente.

- Disso o 'outro lado' já se encarregou. Eu estou segura com o meu grandão rabugento.

- Tem certeza?

Não, ela não tinha. Mas a vida era para quem se arriscava.

Eles começaram a se preparar para enfrentar um dos mais movimentados horários pela manhã. Até o momento, só estavam os dois mais a menina do caixa e o chefe de cozinha.

Flávia estava tão atarefada e compenetrada em suas funções que nem percebeu um comichão no seu braço esquerdo. Em sua defesa, fazia tantos anos que o "outro lado" permanecera em silêncio que ela desaprendera qual era a sensação de receber uma mensagem de sua alma gêmea. Quando percebeu algo de errado, considerou que fosse uma picada de inseto e limitou-se a ficar coçando o local.

- Flávia, o seu braço...

Murilo boquiaberto apontava para onde os dedos dela arranhavam a pele de maneira nada satisfatória.

- O que tem?

E enfim abaixou o olhar. Lá estavam as palavras numa caligrafia que nunca esqueceria. Ele a respondera. Não era mais um daqueles comentários aleatórios que ele costumava deixar antes de saber que ela já podia receber. Ele quebrou o jejum para respondê-la pela primeira vez.

- Murilo! Meu Deus, o que eu faço? Nunca cheguei nessa fase antes.

Sentia-se uma menina novamente e não gostava muito disso. Apesar de ter seguido em frente, aquele tempo ainda era doloroso. Não mentira ao dizer que o "outro lado" a magoara de todas as formas possíveis.

- Acho que você precisa de um momento sozinha. Por que não tira a sua folga agora? O pior horário já passou, eu dou conta por aqui.

Ela conseguiu apenas assentir e, retirando o avental, dirigiu-se à saída dos funcionários.

- Flávia! Aqui, você vai precisar disso. Espero que te dê sorte também.

Ele lhe entregou a caneta que usou para conversar com Ingrid pela primeira vez. A garota sorriu para o amigo agradecida.

- Você não existe, sabia?

Foi em sua direção para abraçá-lo e beijou levemente sua face. Então, saiu.

Retirou um pequeno minuto para respirar profundamente e se recompor. Passou a mão pelo registro de sua primeira interação sendo correspondida.

A diferença de suas letras formava um mosaico bonito. Ali mais perto da mão estava a sua parcela de insegurança de hoje cedo:

'Qual o número de cantadas que alguém pode passar antes de parecer desesperada?'

Embaixo tinha a marca do seu desapontamento, estava esgotada dessa situação há anos:

'VOCÊ PODIA SER MAIS ÚTIL DO QUE SÓ SERVIR COMO UMA CONEXÃO MUDA.'

Logo após, a resposta dele:

'Você realmente acredita que cantadas funcionam?'

You All Over Me - FlaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora