POV Flávia

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Flávia esperava que ele a levasse a qualquer lugar. Do restaurante mais chique da cidade (sempre o imaginou frequentando o local, parecia combinar com seu jeito refinado) até o churrasquinho da esquina (mas admitia que esse de longe não fazia o estilo do médico). O que importava é que estava na companhia dele.

Sentiu a sua falta mais cedo. Chegou a pensar que tinha ultrapassado os limites. Mas, ali naquele carro, sendo levada para um lugar pensado por ele, ela se permitiu relaxar. Estavam bem, caminhando para a direção certa na vida.

Olhou para o médico e sorriu feliz. Ele se virou e também sorriu.

Era recíproco...

O outro lado tinha mandado mensagem hoje. Uma pergunta.

'Casa ou apartamento?'

Ela passou quase uma hora para responder. Estava confusa, isso é uma típica situação que ele teria que resolver com a esposa, não? O que ela teria a ver ali? Era somente a alma gêmea que ele não quis para si. Não como ela idealizou desde pequena.

Optou por uma resposta diplomática.

'Depende.'

'Do que?'

Meu Deus, ele pretendia estender o assunto? - ela resmungou. Não estava a fim de discutir os planos dele com outra. Mais uma vez, respirou fundo.

'De onde você mora atualmente e do quanto quer mudar.'

Torcia para que fosse o bastante.

'Apartamento então. Obrigado!'

'Por nada...'

Olhou a porta da cafeteria e suplicou para que o médico entrasse a qualquer instante. Para que a salvasse dos pensamentos que a melancolia sempre trazia.

Sabia de seus problemas de abandono. Tinha consciência que boa parte de seus machucados quanto ao outro lado foram maximizados por isso. Bom, a terapeuta que Ingrid e Murilo lhe indicaram a ajudou a entender todo o quadro.

Ela colocou nas expectativas com sua alma gêmea todas as frustrações e as dores de ter sido abandonada pela mãe quando era apenas uma recém nascida. Foi um acumulado de anos projetados na certeza que finalmente seria acolhida, desejada e amada. Só para tudo se repetir e ela ser deixada no silêncio.

E, mesmo assim, nenhum cara com quem se envolveu depois foi capaz de competir com aquela ilusão. Porque isso que o outro lado permaneceu sendo por tanto tempo, uma ilusão - a mais caprichosa que ela já construiu. Até agora. Agora, ela encontrou alguém com potencial para ser mais e o outro lado se tornou um amigo, empurrado para a categoria platônica somente. Esperava que desse jeito tudo prosseguisse tranquilamente.

A voz do médico a tirou de seu momento de reflexão interna.

- Chegamos.

Flávia olhou para fora da janela e ficou surpresa.

- Você tem uma clínica?

Guilherme tornou a coçar a lateral da cabeça. Ela adorava aquele trejeito.

- Sim. Sou cirurgião cardíaco e montei uma clínica própria.

- Então você tem sua clínica, faz trabalho voluntário num hospital público... Tem ala especial para crianças carentes também?

- Sabe que não? Mas ótima sugestão. Vou até anotar aqui para debater com a minha equipe depois.

- Você é o super homem? Espera, errei, nesse estilo, Bruce Wayne seria o mais apropriado.

Ele gargalhou enquanto digitava no celular.

- Sinto decepcionar mas não sou um bilionário nem tenho um torso de aço.

You All Over Me - FlaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora