1. Estopim

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Loid


Em mais de uma década sendo espião, eu nunca me sentira tão perdido. Nunca tive um sentimento tão forte de que algo estava errado.

Quando adotei Anya, jurei à mim mesmo que não iria cultivar sentimentos. Sei que, em um momento ou outro, tudo iria desmoronar entre meus dedos como areia. Sei que em breve a missão acabará. Por este motivo, prometi à mim mesmo não me apegar àquela criança tão amorosa.

Mas é muito difícil. Ser pai é difícil. Não sentir compaixão por Anya é muito difícil.

Me sinto como seu verdadeiro pai, mesmo sendo tudo uma farsa. Desejo que ela se sinta bem e que tenha do bom e do melhor, na medida do possível.

Claro, por causa da missão.

Sim, eu só me importo com ela porque manter uma boa relação de pai e filha favorece as chances de usá-la como um meio para completar a missão, certo?

Nem eu acredito mais nisso. E dói muito.

Dói sentir o quanto eu estou começando a me importar com ela. Dói lembrar que em breve tudo acabará.

Mas isso não tem importância no momento. Eu tenho que completar a missão. Meu dever é manter a paz mundial, mesmo que em nenhum momento eu serei reconhecido por isso.

Quando se é espião, assumir diferentes personalidades e fingir emoções é a base para um bom trabalho. Sentimentos são o de menos.

Mas por que machuca tanto?

Desde o café da manhã tenho me sentido assim.

Para piorar, depois de me despedir de Anya, visto que ela foi ao Éden, não consegui ignorar um comportamento estranho por parte dela, era como se estivesse receosa sobre algo, mas fingi não perceber. Em sequência, fiquei conversando com Yor sobre o que iria ser o almoço, porém ela logo iria para o trabalho, e eu ficaria em casa pois, supostamente, era meu dia de folga do meu trabalho como psiquiatra.

Então tudo o que me restou foi o silêncio acolhedor e amedrontante do meu lar de mentirinha. Sentado na poltrona da sala, me vejo refletir sobre questões que tenho ignorado por tanto, mas tanto tempo, que me sinto um pouco sufocado. Como se uma bola de neve estivesse atrapalhando minhas traqueias.

É tanto trabalho, tantas responsabilidades... mas eu já me acostumei com isso. Está tudo bem. Se a missão estiver tendo êxito, então está tudo conforme planejado. Não tenho com o que me preocupar.

Mas se não tem nada com o que me preocupar, por que ainda sinto esta pressão em meu peito? É como se algo ruim estivesse prestes a acontecer. Seria muito mais fácil se eu pudesse reprimir isso como sempre faço com o resto de minhas emoções, mas dessa vez é diferente.

Dá uma vontade de desistir. De chorar. De espernear. No entanto, o que eu posso fazer? Não posso fazer nada disso. A responsabilidade da missão está toda em mim, não tenho espaço para perder tempo com choro. Chorar não vai fazer o problema desaparecer, então é inútil.

Mas mesmo assim...

Basta. Já estou perdendo tempo demais. É melhor eu ir arrumar alguma coisa para fazer antes de eu me entregar à esses pensamentos.

No entanto, logo uma lembrança vem à minha mente. Hoje de manhã, antes de ir para a escola, Anya estava estranha. Isso está me incomodando, pode comprometer a missão. Ela parecia não querer ir para a escola. Estava encolhida, para baixo. Com certeza há algo errado.

E essa teoria confirmou-se mais ainda quando escutei a porta abrir abruptamente, expondo a figura de Yor chegar com um olhar totalmente aflito.

— O que...

Mortífera [YORxLOID]Onde histórias criam vida. Descubra agora