Meus pés quase se moviam sozinhos querendo sair correndo daquele lugar, mas na minha mente o nome "Sen" na voz desse garoto não parava de girar. Olhei para trás e vi que ele ainda estava no chão gemendo de dor. "Parece que bateu a cabeça". Era compreensível o porquê de eu não conseguir discernir o amontoado de panos já que era isso mesmo que o garoto estava vestindo. Apesar do clima ameno lá fora, ele vestia um sobretudo sujo e uma calça um tanto peculiar.
Resistindo a vontade de sair correndo com meu coração e mente à mil, resolvi dar um passo em direção ao garoto. Ele começou a se levantar com a mão na cabeça, um dos olhos estava fechado por causa da dor, mas o outro estava vividamente aberto olhando na minha direção. Eu mantenho uma certa distância.
-Sen... - ele balbucia
-Como você conhece esse nome ? - pergunto já me arrependendo de ter falado coM ele.
-Porque era assim que te chamavam...
O garoto levanta com uma certa dificuldade, estica uma das pernas, e coça a cabeça sem desviar o olhar de mim. Faço o mesmo com ele, esperando algum tipo de retaliação.
-Você continua a mesma, mas confesso que não esperava que depois de tanto tempo seria assim nosso reencontro...
-Oi? Não sei se reparou mas eu não faço ideia de quem seja você, e muito menos de como conhece esse nome.
-Na Casa de Banho, você abriu a porta pra mim...
"Que?"
-Espera, espera, espera! Que?
Na minha mente estava dando um nó. "Que? Sem Rosto?!"
Na Casa de Banho de Yubaba, eu conheci uma criatura, não sei ao certo o que era, talvez um espírito... ele usava uma máscara e por isso o chamavam de Sem Rosto. Inocente do jeito que eu era, o deixei entrar na casa de banho num dia de chuva, mas eu não tardei a descobrir que isso não foi uma boa ideia"
O fato é que, esse garoto aqui na minha frente estava dizendo que era um espírito que não tinha rosto, o que eu nunca imaginaria que poderia ser um humano e pior, eu nunca imaginaria que esse espírito que agora é um humano chegaria ao meu mundo, muito menos depois de 8 anos. Não, não poderia ser ele, não fazia o menor sentido.
-Você está querendo me dizer que é o Sem Rosto?
-Aah... sim, esse não era o meu nome, mas sim, era assim que me chamavam.
-E você espera que eu acredite?
-Sei que é difícil de acreditar mas eu preciso que você entenda Sen...
-Pare de me chamar assim, meu nome é Chihiro.
-Certo. Chihiro. Foi como ele me disse...
-Ele quem?
-Aaah...Bem, é complicado mas como eu estava dizendo, eu preciso que você entenda Chihiro, que quando você me conheceu, quando eu era conhecido como Sem Rosto, eu havia perdido a minha identidade há muito tempo, eu tive o meu nome roubado de mim, eu esqueci quem eu era e por isso eu fiquei daquela forma...
-Mas como assim? O Haku não "desapareceu" como o "Sem Rosto"e ele também tinha esquecido o próprio nome, bem... também roubaram o nome dele, mas mesmo assim ele não deixou de ser "humano"! Como eu posso acreditar em você ?
-Pra começar, Haku nunca foi humano, eu sei que ele te disse que era o espírito de um rio.
-Sim, o rio que quase morri afogada quando criança, mas...mas
-Com que motivo eu iria mentir pra você? O que eu ia conseguir com isso?
-Ora, como vou saber? Até onde sei você pode muito bem ser algum espírito maligno querendo me enganar!
O garoto à minha frente soltou uma gargalhada, seus olhos eram tão vivos que comecei a duvidar do pensamento dele ser um espírito maligno, mas ainda assim eu não podia confiar tão facilmente nele.
-Ok...ok, Como eu posso fazer você confiar em mim? - disse ele por fim.
Eu o olhei avidamente tentando pensar em alguma coisa que poderia me provar que esse garoto era o "Sem Rosto". Ele me olhava de volta com aqueles olhos brilhantes e incrivelmente simpáticos. Me fazia pensar que realmente nos conhecemos há muito tempo, o que é estranho já que eu nunca vi os olhos do Sem Rosto, ele não tinha rosto oras... Ah já sei!
-O "Sem Rosto" usava uma máscara! Como era essa máscara?
"Será que isso é o suficiente?" pensei.
-Bons tempos... - disse o garoto ironicamente. Ele percebe meu olhar de reprovação e continua logo a falar. -Bem.. a máscara era grande e oval, tinha 3 formas pretas esféricas duas como os olhos e outra como uma boca, em cima e embaixo dos olhos tinham triângulos na cor roxa, os que ficavam debaixo dos olhos quase chegavam na boca... Satisfeita?
"Não." É certo que ele descreveu precisamente a máscara, mas todos na Casa de Banho viram o Sem Rosto, qualquer um daquele tempo poderia descreve-lá assim.... Me arrependi de não ter pensado em algo melhor, mas ainda assim nada me vinha à cabeça.
-Bem, você está certo na descrição, mas agora eu não sei se só isso é o suficiente...
-Porque você não me pergunta daquele dia que fomos pro Chalé da velha bruxa Zeniba?
Meus olhos se arregalaram ao ouvir aquele nome. É... isso não podia ser outra coincidência já que, apenas eu, o Sem Rosto e Bō, o filho de Yubaba com o seu fiel escudeiro, sabemos onde fomos parar depois de pegar aquele trem... Bem, tinha o velho Kamaji que também sabia, mas eu confio a minha vida a ele, confiava... Será que ele ainda está vivo? "Foco Chihiro" pensei.
-Como você conhece esse nome?
-Eu estava lá com você...
"Como isso era possível? O Sem Rosto aqui na minha frente, na forma de um humano? Eu sabia que quando aquele ser apareceu na minha cozinha era sinal de que algo maior estava para acontecer..."
-Ok...vamos dizer que você realmente seja o Sem rosto... O que aconteceu? Como você pode ser um humano agora? Ah...você é um humano, certo?
-Sim... eu sempre fui! É complicado...
-Pode falar, sou todo ouvidos!
-É como eu lhe disse, eu perdi a minha identidade há muitos anos, eu me perdi como você, mas naquela época não havia ninguém para me ajudar, ou pelo menos ninguém disposto a isso.
Eu conseguia sentir o pesar em suas palavras, e via a tristeza em seus olhos. Me aproximei inconscientemente do garoto franzino que dizia ser o Sem Rosto. Sua cabeça virada para baixo que mirava o chão, estava agora a poucos centímetros de mim.
Ele era eu, conclui. O "eu" que se falhasse ficaria sozinha naquele lugar, o "eu" que perderia os pais para seres famintos por carne de porco... Minha mão se moveu em direção a cabeça dele, e sem me importar com a etiqueta, eu passo meus dedos sobre seus cabelos lisos e pretos. O carinho repentino o faz levantar o rosto. Seus olhos vibrantes e confusos virados pra mim.
-Qual é o seu nome? - pergunto suavemente
CONTINUA...
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Chihiro e a volta de Haku
Ficción GeneralChihiro está terminando o ensino médio com 18 anos e leva a vida de estudante de ensino médio não muito bem, até que um dia um mensageiro daquele mundo aparece do nada em sua casa lhe dando a impressão de que algo grande se aproxima. Será que ela r...