Somos feitos do bem e do mal e ainda sim somos livres para escolher qual dos dois seguir.
Olhando mais atentamente posso entender todas as razões para este lugar ser tão especial para os meninos e a Bia, não é só o amontoado de paredes, móveis e janelas, não são só as cores vivas despejadas por todos os cantos, nem os desenhos ou formas geométricas ou até mesmo os aparelhos eletrônicos. É tão difícil encontrar um espaço que forneça segurança e que ao mesmo tempo alimente e incentive todas as ideias desses jovens. Não é somente uma estrutura e sim as pessoas que aqui abrem seus corações e mentes.
Eu já vaguei por muitas regiões e em nenhuma busquei esse tipo de proteção, de cuidado e carinho, não poderia nem se tentasse e eu não tentei. Não merecia e sendo honesta já possuí algo semelhante e não tem haver com a casa ou com a fazenda, nem mesmo com o piano. Era mais, muito mais que tudo no mundo.
Existia uma cumplicidade implacável e uma força descomunal sobre uma base firme, eu tinha um lugar onde podia gritar e espernear, ali não precisava ser forte, não todo o tempo ao menos e entre os braços daquele lugar poderia ser facilmente eu mesma, ainda que naquela época não desconfiasse de quem eu era.
Eu tinha um lugar, eu tinha até não ter mais.
ㅡ Está no mundinho da lua. - pisco me situando, fito o grande espelho que cobre toda a extensão da pia do banheiro do Fandon enquanto penteio os cabelos ㅡ O que tem nessa cabecinha que a deixou com um sorriso lindo?
Suspiro boba e apaixonada, viro e meus olhos encontram os seus, mesmo diante de tantos problemas Thiago ainda conserva a tranquilidade e positividade.
ㅡ Só estou pensando que existe pessoas e lugares especiais. - me aproximo rodeando seu corpo em um abraço, não dá para ficar longe do seu toque. ㅡ O Fandon é uma prova disso.
ㅡ Você também é uma prova. - ele sussurra com a boca pertinho do meu ouvido, estremeço ao ser inundada com todas as sensações que sua barba contra pele provoca. ㅡ Não sei o que faria sem a colaboração de todos.
Coloco um pouco de distância, só o suficiente para ficarmos frente ao outro e encosto meu nariz no seu, é só um carinho, um gesto puro. Eu necessito que ele saiba que sempre estarei aqui enfrentando o que for, munida ou sem nada ainda sim lutarei com garra.
ㅡ Vai dar certo Thiago. - roubo um selinho e volto para a pia, o Fandon já está em funcionamento. ㅡ Vamos recuperar a República. - minha convicção deixa um rastro de sorriso. ㅡ Você falou com a Daisy?
ㅡ Falei. - escuto enquanto termino de guardar nossas coisas. ㅡ E falei com a Alice também.
Mordo a boca e meu coração diminui até ficar do tamanho de um grão de arroz, sinto tanta falta dela e do seu cheiro de mãe que sempre me acalmava em dias ruins.
ㅡ E sobre o que falaram? - estou com a boca seca, as mãos suam. Será que essa dor um dia vai passar?
ㅡ Alice queria saber se estou bem e perguntou por você. - não vi quando ele chegou perto para cobrir minha mão com a sua, uma âncora que aplacou minimamente a angustia. ㅡ Até nos convidou para ficar na sua casa.
Um sorriso esganiçado escapada da minha boca uma mistura de medo em sua forma mais bruta e algo que não sei distingui, mamãe sempre sendo generosa e preocupada até a raiz dos cabelos.