Pernoite

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É, eu sei. Vergonhosa falha. Desistência, na verdade. Algo que seria lembrado por um tempo, graças às dores pela queda do muro, e o pedaço do couro do dedo esfolado, por conta da escalada enquanto segurava a cruz de metal. Foi uma manobra perigosa, mas, desesperada. É mais patético ainda olhar para a situação após todo o circo que armei. Mas, não me dei por vencido. Daria continuidade no plano. Precisava apenas trabalhar melhor meu psicológico.
Eu sabia que meu corpo reagiria de maneira negativa à primeira experiência, mas não imaginei que seria assim. Digo, na hora, minha mente orquestrou contra mim, me sobrecarregou com pensamentos, o que me desestabilizou.
Eu confesso o óbvio, o maior medo instalado em meu peito era o de dar de cara com uma assombração. Principalmente sabendo que algumas não eram tão amistosas, e outras apresentavam semblantes macabros. Mas, baseado em algumas leituras, aquela casa abandonada não seria local para encontrar tais espíritos. Existem algumas características que, na maior parte das vezes, ajudam a identificar a natureza dessas coisas. Lá, eu recuei no que diz respeito ao "ver, para crer", apesar que, nesse sentido, é algo que vai um pouco além.
Um pouco do meu medo, também, era algo que podemos dizer ser mais plausível. O receio de que um corpo vivo habitasse clandestinamente o local. Se fosse o caso, não teria cruz de ferro ou colar de prata que me protegesse.
Decidi realizar um preparo psicológico, algo que eu deveria ter feito desde o começo, sem ser afobado. Nas duas próximas semanas, eu estaria sozinho em casa. Sem a possibilidade de invitar um contatinho para uns chamegos, iria voltar toda a minha atenção para meu objetivo.
Acredito que eu precisava começar por aquela terrível sensação de estar sendo vigiado, ou que alguma entidade ou corpo estivesse se aproximando. Esse último, pior.
Minha casa não era uma boa candidata para espíritos residentes, pois as rezas e bençãos feitas pela minha família iriam afasta-los. Porém, alguns outros poderiam enxergar o local como aconchegante. Por exemplo, almas vagantes, que ainda não se desligaram do plano material e buscam uma luz no fim do túnel. Ou então, o mais triste, almas torturadas, que enxergam nosso lar como um refúgio, buscando unguento para suas dores.
Ao fim da tarde, todos haviam ido embora. Foram para um retiro. Então, eu comecei os preparativos. Acendi umas velas pela casa. O calor da chama atrai espíritos sugadores. Também, espalhei alguns espelhos. Almas perdidas os vêem como passagem para o outro mundo. Tome cuidado ao olhar para um espelho por muito tempo. Ele pode acabar atuando como um portal... Para o seu corpo.
Por fim, preparei meu material e fiz um círculo de sal na sala, onde eu permaneceria protegido. Apesar de praticamente intocável, meus sentidos funcionavam perfeitamente. Eu precisava aprender a lidar com o imenso desconforto que aquela situação me gerava.
E a noite caiu. O melhor turno para realizar essa conexão. Poucas entidades se manifestam durante o dia. Um pouco controverso, do meu ponto de vista, já que o Sol é uma grande fonte de calor. Era algo que precisava ser estudado com mais calma e profundidade. Mas naquele momento, eram apenas eu, espelhos e velas, uma almofada aconchegante para minha bunda magra e um ambiente sereno e convidativo. Não para humanos, claro.

Era uma vez... Um curioso.Onde histórias criam vida. Descubra agora