A FEBRE DOURADA [+14]

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Não se sabe quando, como, nem onde a Febre Dourada começou. Mas ela tomou tudo de forma rápida e avassaladora.

Me lembro da primeira vez em que ouvi sobre ela. Estava sentada no sofá, dividindo um pedaço de pão com minha irmã mais nova. Ela devia ter sete anos na época, então eu tinha treze. O ventilador estava ligado fazendo seu som característico ambiente, soprando aquele ar úmido e abafado em nossos rostos suados.

Nem rabos de cavalo melhoravam o calor. Nossas peles reluziam com o suor constante, os fios de cabelo se grudando à testa e ao pescoço, ensopados. Mamãe estava na cozinha lavando a louça, e era primavera.

Na televisão grande de tubo que tínhamos, uma repórter apertada dentro de seu terninho azul-marinho com uma pizza debaixo do braço informava para a câmera com seus olhos apertados, evitando o sol escaldante. Havia uma nova epidemia local.

Os cientistas não entendiam porque estava acontecendo, mas o pólen tinha começado a se acumular. Pequeninos grãos de pólen por toda a parte, e assim que tocavam em alguma superfície, se aglomeravam e grudavam como cola. Depois que muitos se juntavam, o pólen amarelo dava essa impressão de ser uma longa folha de ouro fina, e por isso o nome Febre Dourada, ou Febre do Pólen.

Mamãe desligou a torneira para ouvir melhor. Se víssemos um pequeno aglomerado deste pólen em paredes ou qualquer superfície, não deveríamos tocar. Depois que tocássemos, se transferiria para nossa pele de forma rápida. Fechava os poros, dava febre muito alta e então, a morte.

Não havia vacina nem remédios, nem mesmo uma explicação. Mamãe não reagiu, então eu e minha irmãzinha também não entramos em pânico. Mas à noite, sem conseguir dormir, escutei ela chorando em desespero no seu quarto. Me deitei ao seu lado na cama ensopada e a perguntei se iríamos morrer.

"Não seja boba", ela me respondeu, mas eu sabia que ela estava mentindo.

Os primeiros a morrerem foram as crianças. Gostavam de coisas brilhantes e douradas. Minha irmãzinha teria ficado bem se mamãe tivesse reagido quando vimos a notícia pela primeira vez. Ela não levou a sério quando viu o pólen no muro de nossa casa. Seu braço se infectou rápido, e então sua bochecha.

Mamãe a levou para o banho e tentou esfregar o ouro de seu corpinho frágil por mais de quarenta minutos. Minha irmã chorava, berrava de dor, implorava por ajuda, rezava o Pai Nosso e pedia para que eu fizesse mamãe parar. De tanto esfregar, sua pele estava em carne viva. E dourada.

"Vou morrer?", ela perguntou à nossa mãe.

Mamãe não respondeu dessa vez.

Em dois dias, enterrávamos minha irmãzinha.

Depois disso, não me lembro mais. Sei que mamãe passava vinte quatro horas chorando e espirrando, por ter alergia. Seus pulmões doíam tanto que mal respirava. Eu cuidava dela. Levava água, remédios, me deitava ao lado dela sem dizer nada. Não tinha vontade de falar. Não comia e não saía de casa.

Era quase o fim da primavera e ainda não havia nenhuma cura. Nossa casa, como a de muitos outros, estava sendo tomada pelo pólen maldito. No teto, nas paredes, se rastejando pelo chão.

Eu desviava e manobrava e calculava cada movimento meu. Tinha medo todos os dias. Não dormia com medo de acordar no meio da noite com o pólen correndo pelos cobertores. Não me sentava com medo de não ver ele chegando. Não me encostava nas paredes. Ficava ali, em pé, no meio da sala, escutando mamãe chorar e espirrar incessantemente.

Não sei quanto tempo havia se passado quando um monte de homens com uniformes de bombeiro entraram na casa e levaram a mamãe. Acho que devo ter ficado ali em pé parada por semanas. Talvez meses. O corpo de mamãe não estava dourado, estava cinza e ressecado como uma uva passa. Mamãe tinha morrido de tristeza, e de fome, e de sede, e de alergia, porque eu fiquei parada no meio da sala sem levar sua água ou seus remédios.

Às vezes penso me lembrar de sua voz me chamando no quarto ao lado, perguntando se eu ainda estava ali, mas eu não conseguia responder. Tinha medo de respirar muito pólen. Tinha medo de morrer e tinha medo do pólen.

Eles tinham descoberto uma cura e já era primavera de novo, do ano seguinte. Mas eu não tinha irmã e não tinha mamãe, então não queria cura, também. Mas não tinha mais pólen por causa da cura.

Então, em uma fuga da Casa para Crianças Órfãs, fui até os trilhos do trem da cidade e esperei que o trem cheio de vagões com carvão passasse, e explodisse a minha cabeça com suas rodas.

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