Meu nome é Samuela Andrade e esta é minha carta de confissão.
Não me foi muito bem informado sobre como eu deveria escrever isto, ou quais informações eu deveria colocar em uma carta de confissão além de, é claro, minha confissão. Por esse motivo, deixarei meu coração falar - o que, em boa parte das vezes, não costuma ser uma boa ideia.
Tenho dezoito anos e estou no último ano do ensino médio. Eu repeti o sétimo ano e nunca fui uma aluna incrível. Até o Ensino Fundamental I, eu tirava notas muito boas, especialmente em matemática, e daí em diante foi só ladeira abaixo.
Muita gente pode dizer que não há justificativa para o que eu fiz, mas, honestamente, não há justificativa para a maioria das coisas que a maioria das pessoas fazem, até se forem boas coisas. Não há um motivo para fazer caridade, é só "porque sim". Então não há uma razão lógica para o que eu fiz.
Também posso começar a dizer que penso que nenhuma atitude é cometida pelo uso da lógica apenas. Ações são coisas inerentemente emotivas, e a lógica fica reservada para o mundo dos pensamentos, mas isso é só o que eu acho e eu não sou nenhuma filósofa renomada.
De qualquer maneira, eu posso listar algumas coisas que me motivaram, talvez isso seja interessante.
Desde que me entendo por gente, sempre fui borbulhante. Tinha emoções fortes demais para o meu corpinho pequeno de criança, e depois que assisti Peter Pan, comecei a dizer que eu era uma fada. No filme eles explicam que fadas são tão pequenas que só podem sentir uma emoção de cada vez, e por isso são tão impulsivas e por isso a Tinker Bell tentou matar a Wendy.
Seria fofo uma garotinha se chamar de fada se ela tivesse até sete anos de idade, depois disso é só estranho, pelo menos para os coleguinhas de classe. Eu tinha onze. E eu era uma fada, eu tinha certeza disso!
Uma vez fui com um par de asas que eram vestidos como se fossem uma mochila, e fui motivo de piada pelo resto dos meus dias. Até hoje alguns se lembram de mim como a fadinha. E ser chamado de fadinha não parece nada insultante a não ser que você seja um homem com masculinidade frágil ou que uma criança do fundamental catarrenta tenha dito isso.
Era sempre o tom de voz, o jeito como diziam, com aquelas expressões de nojo e risadas de deboche. Infelizmente eu não aprendi tão rápido que estavam rindo de mim e não comigo.
E eu odiava todos eles. Menos a Miriam. Eu amava a Miriam. Ela era minha única amiga. Minha melhor amiga.
Brincávamos de fadas juntas. Fazíamos tudo juntas. Podíamos ser nós mesmas uma com a outra e ríamos o tempo todo. Ela tinha um cabelão cheio e cacheado e os olhos tão gentis que podiam derreter qualquer um. E eu era branquela de cabelo arrepiado com os dentes tortos. A Miriam era linda, era como olhar para Deus.
E como ela era linda e inteligente e carismática, eu não era a única amiga dela. Ela era amiga de todo mundo. Não demorou muito até que não tivesse mais tempo para mim, e tudo bem. Ela não era minha propriedade.
Por causa da sua popularidade, eu acabei parando de sofrer tanto bullying e hoje em dia quase ninguém mexe comigo, mas isso eu também devo aos meus problemas de raiva.
Ainda me lembro do primeiro dia em que aconteceu, na minha primeira vez no sétimo ano. Eu quebrei o espelho da escola com a mente. Sim, com a mente. Eu encarei ele com tanta força que ele se rachou em milhares de pedacinhos, e eu fiquei um bom tempo encarando o que sobrou do meu reflexo, muito assustada. Pensei que tinha alucinado. Mas sabia que não tinha alucinado porque minha mão não estava cortada.
E essa não foi a parte mais assustadora. A parte mais assustadora foi quando eu percebi que ninguém nunca iria acreditar em mim. Então eu peguei um dos cacos do espelho e cortei as juntas da minha mão esquerda, porque sou canhota, pra fingir que eu quebrei o espelho com um soco. Só que como eu estava cortando minha mão esquerda com minha mão não dominante, eu acabei fazendo força demais e abrindo uma ferida gigantesca nas costas da minha mão.
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CACOS
Short StoryMilhares de cacos de vidro não funcionam como peças em um quebra-cabeça. São quebrados, lascados e permanentemente danificados. Por isso, mentes fraturadas e corações partidos são irreparáveis. Cacos são apenas pequenos fragmentos de histórias inco...