Capítulo 4: Praça do Estudante

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(30/03/22; 15:45; Mathias Aguiar)

     Marquei de ficar com um garoto na Praça do Estudante. Ela é pouco movimentada e com bastante sombra. Bancos de pedra estão espalhados por toda a parte; escolho o mais escondido pelas árvores e perto da areia, onde fica dois escorregas, quatro balanços (dentre eles um quebrado) e um trepa-trepa. Faz uma semana que começou o outono e já tem folhas secas amontoadas no pé de uma árvore. Um senhor de sessenta anos, que sempre me cumprimenta ao me ver, varre aquela praça todos os dias. Não sei se ele é pago para isso, mas prefiro acreditar que ele faz isso de bom coração.

     Lucas, o menino que conheci no Facebook, aparece. Ele é mais alto que eu (o que é um pouco raro), tem um rostinho bonito que vou esquecer daqui a duas semanas, usa calça justa e penteia o cabelo para direita. Tirando isso, não tem nada nele que realmente seja marcante. Ele me cumprimenta com um beijinho no rosto e começa a puxar assunto como um velho:

     — Tá meio fresquinho, né?

     — Com certeza — respondo forçando um sorriso. — Não posso demorar muito, preciso me preparar para as provas desse bimestre. E você, estuda?

     — Claro, no Plácido, mas acho que vou mudar.

     — Algum problema com a escola?

     — Nenhum, só não me encaixei. A gente sempre sabe quando não é o nosso lugar.

     — Entendi. Pode sentar, eu não mordo. — Dou uns tapinhas no banco, indicando-o.

     Ele se senta a quase meio metro de mim. Reviro os olhos e ele nota.

     — Desculpa. — Agora ele se aproxima e não deixa nenhum espaço entre nós. — Como não temos muito tempo, eu posso... hã... te beijar? — Ele toca o próprio lábio.

     O garoto parece ter doze anos e não dezesseis ao agir com essa atitude. Me viro no banco e dou permissão; aproximo meu rosto perto do dele, inclino a cabeça e fecho os olhos. Demora dois segundos para ele prensar seus lábios aos meus. No início é um beijo sem sal, mas com o tempo ele perde a timidez e começa a usar a língua. Eu me surpreendo quando, sem nem perceber, já estou no colo dele. Paro o beijo na hora.

     — O que foi?

     — Nada — respondo, mas é mentira.

     A porra do João Santos está na minha cabeça. Sinto ódio de mim ao me imaginar beijando-o, justo um garoto que namora. HÁ TRÊS MESES! Uma parte de mim – uma parte podre – diz que é só um web namoro e que eles nunca dão certo, mas ignoro isso. Empurro meus óculos sobre o nariz para afastar esses pensamentos. Acaricio o rosto de Lucas e noto que é áspero, mas não me incomodo. Coloco a mão em seu rosto, o indicador tocando o lóbulo da orelha e o polegar acariciando o maxilar; então o beijo. Isso não ajuda em nada, ainda continuo pensando em João e fico excitado.

     Lucas tenta fazer uma mão boba, mas uso a mão livre para impedi-lo.

     — Ei, tudo bem, eu sei que você está gostando. — Ele morde de leve o meu lábio inferior.

     — Não. — Afasto-o com as duas mãos e salto de seu colo. — Vou pra casa.

     — Que merda, Mathias! — ele grita.

     Eu estremeço. Nenhum ficante nunca aumentou o tom de voz comigo.

(30/03/22; 16:00; João Santos)

     Escuto o nome do Mathias ser gritado do outro lado da rua, na Praça do Estudante. Às quartas-feiras minha família faz compras na cidade, então em uma mão seguro uma sacola de pão e na outra uma com roupas novas que só escolhi e não fiz questão de experimentar. É só continuar reto e descer a rua do supermercado Engenho para encontrar meu pai, entrar na Pampa e ir para casa. Mas não resisto. Corro sem parar até chegar na praça e ver a seguinte cena: Mathias sendo xingado por um garoto mais alto que ele.

     — Porra, eu estava curtindo pra caramba — diz o garoto.

     — Mas eu não, quero ir pra casa. — Vejo Mathias massagear os próprios ombros em busca de segurança.

     Não me aguento, ajo por impulso. Passo por Mathias, sem olhá-lo no rosto, e encaro o garoto com o queijo bem erguido. Pareço o Davi das histórias bíblicas que minha mãe contava. E esse menino é o gigante.

     — Algum problema? — Largo as sacolas no chão e cerro os punhos.

     — Sai daqui e vai cuidar da sua vida, gnomo — responde o grandalhão.

     Meu coração acelera e meu sangue ferve nas veias. Concentro toda minha força na mão canhota, pois sou canhoto, e vou pra cima.

     — Não! — Mathias me puxa pela toca do moletom.

     Então ele mesmo descarrega um soco com a mão direita e entorta o nariz do garoto. Eu fico em choque. Tudo aconteceu rápido demais, mas minha memória registrou em câmera lenta. O braço indo para trás e pegando impulso, a jaqueta aberta de Mathias se balançando junto com o corpo e, por fim, o soco em cheio no nariz.

     — Ninguém fala com o meu amigo assim! NINGUÉM! — grita Mathias.

     O menino vai embora, emburrado, possivelmente murmurando algo do tipo "Você me paga". Mathias resume a história desse tal de Lucas em cinco minutos enquanto eu massageio sua mão, certificando que não quebrou nenhum osso. Para aliviar o clima tenso, eu arrisco uma piada:

     — Tu sabe que eu teria acabado com ele, né? Tipo Davi e Golias.

     Mathias ri e depois solta um gemido ao fechar a mão.

     — Então conhece as escrituras? — ele pergunta, meio rindo e sorrindo.

     — Família cristã tradicional.

     — A minha também.

     — Um saco, né?

     — Sim, um belo saco de pancadas — ele responde e caímos na gargalhada até sair lágrimas dos nossos olhos.

     — Ai, ai, seu palhaço. Preciso ir, meu pai está me esperando — anuncio.

     — Precisa mesmo? — Ele faz beicinho.

     Minha mente grita "CORRE" com todas as forças. Tenho um futuro incrível planejado, não posso largar tudo por um momento incerto. Eu sou adolescente, é normal sentir atração. Só não preciso ceder a ela. Cara, isso parece tanto com aquelas pregações de domingo onde o pastor fala: "É normal termos tentações, irmãos, mas não podemos cair, pois é aí que o pecado entra no coração. Mas não se assustem se caírem, nosso Deus é misericordioso para perdoar nossas falhas". O pastor está certo, Deus perdoa, mas Igor não é Deus.

     — Preciso sim — confirmo. Junto minhas sacolas e me despeço de Mathias com um aperto de mão. É como se regredíssemos e isso dói.

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