Capítulo 1: Zona de conforto

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(21/03/22; 10:05; Mathias Aguiar)

     Cumprimento a merendeira como de costume e pego um prato e um garfo, ambos de alumínio – com as histórias de garotos trazendo facas e ameaçando colegas, eu me surpreendo que ainda não tenham trocado por talheres de plástico. A comida é um clássico arroz com galinha e feijão como sempre. Não é ruim, só enjoativo que haja pouca variação.

     Existem três mesas retangulares gigantes e bancos em cada lado parafusados no chão. Antiquado, mas prático para limpar. Escolho a mesa do canto direito e me sento em frente as janelas, onde posso cuidar quem entra e quem sai do refeitório. Júlia e Ana se juntam a mim. São colegas que conheci esse ano. Andamos juntos, apesar de eu não as considerar amigas de verdade. É recém meu segundo mês na escola Rosul. Minha turma tem trinta alunos e eu me dou bem com vinte. Os outro dez não me interessa ou só não tive oportunidade de conversar ainda. A melhor parte da Rosul é que posso ser abertamente bissexual e não ser julgado, ou, como quase ninguém me conhece, não tem o perigo da minha família conservadora descobrir. Claro que tem as piadinhas que os guris fazem, mas não dou bola e acabo até brincando com eles.

     Dou garfadas e assinto de tempos em tempos para concordar com o que Ana e Júlia falam, provavelmente algo sobre moda ou meninos, enquanto com a mão livre escrevo no meu caderno de caligrafia. Não sei por que me incluíram no grupo delas, eu sou apenas um nerd que usa suéteres que parecem ter sido costurados pela falecida vó e pouco entende de garotos, mesmo sendo um. Tipo, qual é o sentido do vício em futebol, carros rebaixados e usar calças abaixadas quase até o joelho?

     — Olhem só, é o menino que veio de outra escola pra fazer o terceiro aqui — diz Julia apontando com as sobrancelhas.

     — Ele é gatinho, mas muito baixo. Não acha, Mathias?

     Desvio a atenção do caderno por dois segundos para olhá-lo, mas não presto muito atenção.

     — Vixi, baixo demais mesmo. — Volto a escrever.

     As meninas por algum motivo colocaram na cabeça delas que eu gosto de meninos musculosos com abdômen trincado e olhos azuis. Talvez porque eu sou um magricelo que usa óculos e é desprovido de força. Só talvez. Mas eu sinceramente não preciso de alguém para me sentir seguro e não gosto de músculos. Prefiro meninos (também vale pra meninas) inteligentes, baixinhos e que curtam assistir filmes de super-heróis ou até mesmo as animações da Disney.

     O tal menino do terceiro pega seu prato e senta dois bancos a minha esquerda. Agora que está mais perto posso ver seus traços: pele clara, maçãs do rosto bem definidas, olhos castanhos que chamam a atenção e cabelo escuro liso escondido sob um capuz vermelho. Devo admitir, esse garoto chamou a minha atenção.

(21/03/22; 10:20; João Santos)

     Eu odeio a escola, simples. As pessoas são superficiais demais e sem conteúdo. O único de mente aberta e o que mais tenho consideração nessa escola é professor Rafael, de sociologia, que desde sua primeira aula demonstrou interesse no que eu gosto (desenhar) e o porquê de eu gostar. Quinze minutos da aula foi perdido enquanto eu explicava sobre como desenhar me ajuda a colocar o que estou sentindo no papel. A tristeza quase sempre associada a algo morrendo, a raiva em uma mistura de vermelho e o vazio em desenhos que parecem inacabados, como se sempre estivessem faltando algo.

     Uma das piores partes da escola é a merenda, onde eu sou o único estranho que come sozinho. Para falar a verdade, não me incomodo em comer sozinho, mas odeio como as pessoas ficam olhando. Por exemplo, agora mesmo, um menino sentado a dois bancos a minha direita não para de me olhar indiscretamente, escondendo o rosto atrás de um caderno de caligrafia. Até suas amigas sabem disfarçar. Dou minha última garfada e vou para aula.

     A aula de história é muito arrastada e difícil de compreender os termos políticos, então pego meu celular, que é a minha zona de conforto. Mando mensagens para Igor, meu web namorado. Ele mora em São Paulo, cursa direito e trabalha meio período passando café para executivos irritados. Ele não é o maior fã do próprio trabalho, mas tem o Carlos e a Jéssica, que são ótimos colegas, e com o dinheiro ele consegue pagar a faculdade. Os seus pais – que eu já os considero os melhores do mundo por amarem ele do jeito que é – pagam as despesas da casa e bancam as suas roupas. Isso é como viver um sonho. E daqui a um ano eu que vou viver um sonho ao lado dele, só preciso terminar o ensino médio, pegar o dinheiro da minha poupança para a faculdade de artes e ir embora com tudo pra São Paulo. É um planejamento de vida perfeito e Igor me ama, nada vai dar errado.

     "Como está o serviço, meu amor?", envio para Igor.

     "Bem calmo, metade da chefia está de férias ainda. E sua aula, meu bem?"

     "É história, chata pra caramba", envio com uns emojis revirando os olhos.

     "Ah, para. História é boa, mas depende de quem conta. Preciso voltar para o trabalho, alguém virou café no corredor. Te vejo mais tarde, beijos!

     "Até, beijo", desligo o celular e presto atenção na aula.

Meu Futuro (web) NamoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora