Uma Conexão Cósmica

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- Tudo bem, doutor?

Guilherme sentia que precisava sentar urgentemente mas teimou em permanecer de pé. Talvez sua pressão só tivesse caído um pouco, certo? Forçou-se a dizer algo:

- Você!

A garota riu divertida com sua falta de eloquência e inclinou a cabeça, o analisando.

- Eu?

Ok, agora ele estava sendo um tolo. Respirou fundo e retomou o que queria dizer.

- Você estava na minha aula hoje.

A garota assentiu com a cabeça, confirmando a informação.

- Correto. Ela foi bem esclarecedora.

Guilhemer olhou desconfiado para ela. Era muita petulância, como se ele não tivesse passado aquelas duas horas a observando absorver nenhuma gota do que ele disse.

- Você nem prestou atenção.

Ela mordeu o lábio inferior enquanto considerava uma resposta. Aproximou-se da mesa e inclinou-se apoiando as mãos na superfície.

- Como o doutor, sabe? Minha atenção estava somente na coisa mais importante daquela sala.

Guilherme sentiu o escritório ficar mais quente naquele momento. Sentou-se e ajeitou-se atrás da mesa buscando poder mudar o rumo da conversa e disfarçar seu estado.

- Mas você não é estudante de Medicina.

Tentou manter uma postura de autoridade, entretanto, sob o olhar atento da moça, atrapalhou-se até achar uma postura convincente. Não sabia o que fazer com os braços nem com as próprias mãos. Por fim, manteve-os colados ao corpo, completamente cruzados. Ela apenas ergueu o queixo de modo desafiante.

- Não, não sou.

A garota tinha uma presença tão forte que era impossível notar como ela comandava qualquer ambiente que adentrasse. Tinha sido assim naquele auditório e se repetia agora ali na sala dele.

- Então, o que deseja?

Ela jogou a cabeça para trás ao soltar uma gargalhada sonoramente bonita. Pelo visto, a pergunta era errada. Os olhos dela encontraram os seus e ele podia jurar que queimavam. Sentiu a saliva que tinha acabado de engolir presa em sua garganta. Aquilo estava real demais.

- É bem simples, doutor, quero apenas cumprir uma promessa.

Guilherme se mexeu na cadeira.

- Promessa?

Ela tirou a mochila dos ombros e a depositou em cima da mesa. Abriu e retirou de lá um maço de papéis. Após uma rápida conferida, fez menção de o entregar bem sorridente.

- Eu estava desde cedo o procurando para poder entregar-lhe o trabalho de uma amiga minha. Temo em dizer que ela passou mal mais cedo e, quando a socorri, ela implorou para que eu fizesse isso chegar em suas mãos ainda hoje.

Guilherme encarou o trabalho de sua jovem aluna nas mãos dela. Era isso que tinha vindo buscar em sua sala: os trabalhos dos alunos cujo prazo acabou hoje. Ele se recusou a receber e pigarreou.

- Bom, você está atrasada. Sinto muito, o prazo já se encerrou mais cedo.

A moça transformou a boca em um pequeno bico choroso. Era graciosa e sabia disso - o tipo mais perigoso. Olhou tristemente para os papéis em mãos.

- Eu teria entregado mais cedo se não tivesse me distraído.

Guilherme perguntou-me o que roubaria a atenção de uma mulher tão decidida como ela.

- Com o quê, se me permite perguntar?

Pelo sorriso gigantesco que ela abriu, ele tinha acertado a pergunta dessa vez. Ela largou a mochila e os papéis em cima de sua mesa e começou a caminhar para mais perto dele, até que contornou a mesa todinha. Guilherme tentou fugir mas não conseguiu ir muito longe, logo a cadeira bateu contra a parede. Ele estava preso não apenas fisicamente, como também naquele feitiço que ela parecia ser composta.

- Com o doutor, é claro!

E se sentou na mesa dele. O camisão subiu até ficar todo retido no quadril dela, aquelas pernas encantadoras que tinham despertado sua atenção estavam disponíveis ali, bem mais perto do alcance de suas mãos que coçavam para tocá-la. A garota brincava displicentemente com o colarinho do camisão, Guilherme arriscaria dizer que ela era do tipo que usava uma gargantilha, e não demorou muito para levantar uma das botas e a depositar na cadeira, entre suas pernas enquanto balançava a outra.

Por estranho que podia ser, nenhuma aluna sua tinha dado em cima dele antes em todos esses anos. Seja lá quem fosse essa moça, pertencente à instituição ou não, ela o fazia sentir como se o chão fosse tirado de seus pés. Tudo isso com aquele sorriso que ele ansiava arrancar do seu rosto. Como deveria proceder?

- Quer dizer que deixei o doutor sem palavras? Diz para mim, doutor, eu fui a primeira?

Aquilo fez com que ele reagisse. Arrancou a perna dela da sua cadeira.

- Mas você é muito abusada, garota.

E, quando se levantou pronto para dar continuidade à expulsão de sua presença em seu santuário, ela foi mais rápida ainda. Circulou o quadril dele com suas pernas torneadas, puxando-o para perto dela até que estivessem colados. Ele vacilou em seus pés e segurou-se em suas coxas para recuperar o equilíbrio. Estava preso em seu perfume, em seu delineado, no vermelho de seus lábios de tanto ela morder, no calor de suas coxas debaixo das mãos dele o fazendo desejar, por um momento, que não existisse a barreira da meia calça.

Balançou a cabeça negativamente para tentar tirar aqueles pensamentos de lá. Ele precisava voltar para sua casa dilacerada, para um casamento que se arrastava por causa de uma promessa. Apesar de tudo, devia respeito a sua esposa.

Suas respirações se misturavam ofegantes.

- Já achei. Vai negar que parece uma conexão cósmica?

Ele ficou tenso com aquelas palavras e tentou se soltar mais veemente. Ela o soltou mas sem antes depositar um beijo demorado na junção de seu pescoço com seu queixo. Aproveitou-se que o médico buscou impor o máximo de espaço entre eles, pegou os papéis da amiga e os colocou misturado na pilha já existente no canto da mesa. Como ele se recusou a ler a capa do trabalho anteriormente, seria incapaz de separar o que foi entregue atrasado dos outros.

- Foi tudo um teatro?

Ela pulou da mesa e recolheu a mochila. Somente ao alcançar a porta, parou e se virou enquanto colocava os óculos escuros.

- O doutor acha mesmo que foi?

Não, ele não achava. Mas nunca diria. Ela comprimiu os lábios e assentiu. Ele permaneceu fincado no mesmo local por um longo tempo, procurando entender tudo o que tinha se passado naquela noite.

***

Flávia passou reto por Ingrid. A menina teve que correr para alcançar a amiga.

- Ei, o que houve? Deu tudo errado?

Flávia parou abruptamente.

- Eu preciso fazer uma conexão cósmica acontecer urgentemente!

Best Mistake - FlaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora