O Confronto

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O círculo estava armado.

Flávia acenou para Ingrid. Se elas não contornassem a situação, cabeças rolariam.

Paula avançou em direção à Rose.

- Namorado, sim. Por que? Algum problema?

Rose conseguiu tirar os olhos de Neném para responder. Deu um fraco sorriso.

- Bom, eu só não entendo qual a necessidade de parar todos os estudantes e funcionários para esse anúncio. Você está tumultuando o local e, como coordenadora do curso, deveria dar o exemplo.

Era nítido que Paula gostaria de avançar em Rose por causa daquele comentário. Ela detestava que falassem algo da sua postura no trabalho. Neném apertou sua mão e ela se acalmou. Começou a girar no próprio eixo enquanto estralava os dedos.

- Já viram o que tinham que ver! Agora, circulando! Vamos!

E saiu em disparada, arrastando Neném até sua sala. Rose saiu minutos depois, ainda passou algum tempo parada, observando eles partirem de mãos dadas.

Flávia alcançou Ingrid.

- Segue tua mãe e tenta mantê-la dentro da sala. Vou atrás da Rose.

Ingrid a olhou apreensiva.

- Você vai confrontá-la?

Flávia mordeu o lábio inferior.

- Acho que sim. Quanto mais cedo demonstrar que sei de tudo, menos chances dela aprontar algo, certo?

Ingrid encolheu os ombros.

- Espero que você esteja certa.

Flávia suspirou.

- Eu também.

***

Encontrou a professora possessa em um dos ateliês de costura. Ela estava derrubando todo o material que via pela frente, um verdadeiro pandemônio. Repetia sem parar:

- Ele é meu! Ele é meu!

Flávia trancou a sala e se aproximou, fazendo o mínimo de barulho possível. Esperou ela terminar de quebrar mais alguns produtos.

- O que seu marido acha disso?

Rose imediatamente paralisou. Flávia respirou fundo, se preparando. Era chegada a hora do embate.

- O que disse?

Rose ajeitou a própria roupa e se virou. Flávia avançou.

- Você ouviu certo. Está aqui destruindo um ateliê enquanto reclama a propriedade de um outro homem. Qualquer um se perguntaria, o que seu marido acha disso?

Rose ficou lívida de tão furiosa.

- Olha aqui, sua garota insolente!

- Olha aqui, você! Eu vi você dando em cima dele! Você o pressionando e tudo isso enquanto seu marido estava ao lado, na festa, sendo seu adereço. Por que é só isso que ele é, não é mesmo? Um troféu para você desfilar! Para todo mundo suspirar como são perfeitos, enquanto você o trata como lixo!

- Você não sabe de nada! E se pensa que aquela cafona da sua coordenadora vai ficar com o meu Neném, está muito enganada!

Rose se preparou para a esbofear mas Flávia foi mais rápida e prendeu seu pulso. Puxou-a sem cerimônia pelo braço, até segurar seu queixo com vigor. Rose choramingou:

- Ai, está me machucando!

Flávia nem se importou e aumentou a força.

- Você escute bem o que eu vou te dizer. Deixe a Paula e o Neném em paz! Se eu notar que você está planejando sabotá-los, eu acabo com tudo o que você tem de mais precioso. Eu destruo sua vida. Nem pense em me tentar.

Ela a soltou com fúria e a professora perdeu o equilíbrio, caindo no chão. Flávia começou a se retirar do local.

- Ah, Rose, querida. Quer um conselho? Libere seu marido, ele é gato demais para viver acorrentado ao seu lado. Aliás, isso não é viver.

***

Ingrid a encontrou no ateliê vizinho. Ela respirava profundamente, tentando arrancar aquela raiva que tomou contar do seu ser.

- Pelo visto, foi feio.

Flávia se sentou detrás de uma das máquinas e passou a mão pelos cabelos.

- Eu quase bati na minha professora, Ingrid.

- Ela não vale nada, Flávia.

- Eu sei, mas o que estou fazendo? Batendo nela, seduzindo o marido.

Ingrid a abraçou.

- Amiga, você fazia coisa pior antes do café da manhã.

Elas riram juntas.

- É só que... como ela consegue destruir a vida de alguém assim?

- Isso não é só sobre a minha mãe, não é?

- Eu não quero me tornar uma Rose na vida dele. Alguém que só estar usando o pobre coitado para benefício próprio.

- Você está libertando aquele homem. Não tem nada igual!

Flávia assentiu.

- Você está gostando dele?

Ela bufou.

- Nós mal conversamos. Acho que é só culpa de toda essa tensão sexual.

Ingrid semicerrou os olhos.

- Sei, Flávia... Sua cara se apaixonar por quem não devia.

Ela levantou o queixo desafiando a amiga.

- Por que eu não devia me apaixonar por ele?

- Ele é um professor.

- Mas não é meu professor. Nem mesmo pertencemos ao mesmo setor.

- Você não precisa de mais confusão para sua vida. Ele é só uma carta na manga, lembre-se disso. Já não basta aquela mulher atrapalhando a vida dele?

Flávia mordeu o lábio inferior.

- Bom, preciso ir. Minhas aulas começam daqui a pouco. Você vai ficar bem?

- Vou sim. Pode ir. Tenho trabalho para terminar aqui também.

Ingrid parou ao lado da porta.

- Só estou cuidando de você, sabe disso, certo?

Flávia esboçou um leve sorriso.

- Sim e eu agradeço.

Ingrid saiu. Flávia sentia seus sentimentos confusos. Não conseguia esquecer as expressões do médico, nem do que elas despertavam dentro dela. Sacudiu a cabeça, era só tensão sexual, não podia confundir as coisas.

Aproximou-se dos materiais e passou a trabalhar. Precisava que tudo estivesse pronto até amanhã e, quem sabe, até ajudaria a colocar a cabeça em ordem.

Era tarde da noite quando terminou e caminhou para fora do prédio. Ainda teve tempo de observar o médico entrando no carro ao longe, sozinho como sempre.

***

No dia seguinte, chegou tarde à Universidade. Estava ali somente para pegar as peças que tinha preparado ontem. Muitos  aguardavam-na com esses pedidos. Era também um evento importante demais para ela.

Contudo, bastou colocar os pés naquele ateliê para perceber que tinha algo de errado. Saiu correndo, visitando cada bancada.

- Não, não, não, não, não!

Alguém tinha estado ali e destruído todo seu trabalho.

- Mas, quem? É claro! Você me paga, Rose!

Queria chorar, porém forçou-se a engolir o pranto e tentar salvar o que podia. Seria um longo dia e ela não tinha muito tempo.

Quando enfim terminou, guardou tudo em caixas de papelão e as levou para o local que mais se sentia segura: o setor de Medicina.

***

E foi encarando as caixas, com os olhos vermelhos de tanto segurar o choro, que Guilherme a encontrou.

Best Mistake - FlaguiOnde histórias criam vida. Descubra agora