Corações Que Se Partiram

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C A P Í T U L O  1


"Ela é uma menina, mas se sente como um peso...


Letta aprendeu muito cedo, cedo de mais para uma garotinha com seus recém completados dez anos de vida, que ser bonita em um mundo onde todos se consideravam insuficientes, só lhe causaria dor e amargura.

A beleza machucava, ela entendeu através das palavras sussurradas entre grunhidos doloridos em seu ouvido. Ser bela era uma maldição a cada ofensa dada sem merecer, a cada desprezo e ódio recebido e aos tantos olhos maliciosos que a acompanhavam e mãos maldosas que a seguiam. Mas a beleza também dava poder.

Letta também aprendeu sobre isso quando se deu conta de como podia usar seu sorriso luminoso e olhos cintilantes em benefício próprio. Ela podia usar da inferioridade e fragilidade deles e nunca se arrependeria disso, nunca olharia para trás. Jamais.

Se ela lhes desse aquele mínimo que eles rastejavam para ter, de que importaria se pertences singelos fossem tomados sorrateiramente? Devo ter deixado cair aqueles acendedores, ou então, devia estar muito bêbado, nem me lembrei de cobrar o meu troco. Era isso o que diriam, coisas as quais não sentiam falta, coisas sem qualquer importância.

Letta sempre sorria de suas tolices, ela era tão linda, um sopro de ar puro no amontoado denso da nicotina, era a luz em sua eterna escuridão e o mel que adoçava o amargor que se impregnou em seu paladar. Eles queriam vê-la, queriam senti-la, queriam devora-la. Sugar seria a palavra que melhor os definia, sugadores que ansiavam por sugar aquilo que não tinham e precisavam possuir.

Ela ria consigo mesma e depois chorava por horas e horas quando voltava para casa. A vida continuava amarga mas um pouco mais equilibrada quando por fim compreendeu que bela e trágica era a junção de beleza e inteligência em uma mulher.

Pela falta de um mentor, de alguém que zelasse por ela, Letta foi sua própria inspiração e criou a si mesma como uma predadora, uma sobrevivente. Tal qual suas irmãs.

Irmãs que não eram unidas por um laço de amor incondicional e que preferiam voltar-se para a própria aflição a darem uma chance uma a outra. Ao que parecia, poetas eram uma raça de tolos fingidos que gostavam de pregar em suas confabulações a magia ilusória de como corações mortos que se orbitavam tendiam a vincular-se para voltar a viver.

As ideias românticas de quem jamais presenciou o tormento de um coração partido. Pois em experiência própria, corações que se partiram tendiam a fragmentar aqueles que já estavam estilhaçados.

Era mais fácil, e havia certa satisfação no poder de levar uma pessoa a decadência pior que a sua, pensou.

A natureza humana era egoísta afinal.

Uma brisa tardia e nem por isso indesejada acompanhada do frescor da tarde transpassou por entre os braços delgados e torcidos da árvore anciã, agitando sua folhagem bela que esbanjava cor e fervorosidade vitalícia.

Letta achou sublime e foi tomada repentinamente pela imagem de Feyre, sua irmã mais velha, que sentada frente à sua magnificência intimidante, tentava eternizar com seus pincéis e tinta aquela imagem apaziguante. Imaginou que nome daria, se deixaria que Letta pendurasse a tela na parede de seu quarto para que na imagem, procurasse replicar o seu brilho em dias que o seu próprio se recusava a aparecer para mais um espetáculo.

Eram pensamentos imprudentes. Letta jamais vira sua irmã pintar, e agora que havia partido para sempre pras terras dos imortais do outro lado da Muralha, imaginou que a chance havia também se perdido para sempre.

Narcissus ⚜  (ACOTAR)Onde histórias criam vida. Descubra agora