Pressão

9 0 0
                                    

— Cinco, seis, sete, oito! — ouvia-se o som alto de sua voz impotente ecoar pela sala junto com o estalar de dedos marcando o tempo — Anna, mantêm esse Arabesque, postura! Já repeti mil vezes isso hoje, como uma bailarina com esse tipo de erro pode representar nosso estimado país em uma competição? Do incio!

Após respirar fundo, o tanto quanto aquele collant lhe permitia, Kim Na ri, também chamada de Anna, inicia novamente aquela sequência de passos ensaiados, tentando ao máximo alcançar a perfeição exigida pela sua professora de dança, representante da liga de ballet principal do país.

Após milhares de interrupções de sua professora, Anna já tinha feito a sequência por tantas vezes que seus pés doíam espremidos naquela sapatilha de ponta, seus cabelos pingavam de suor e sua respiração não saia completa, totalmente diferente do brilho que os palcos mostravam.

— Enquanto essa sequência não estiver a nivel dessa companhia, você ficará nesta sala treinando Anna! Você acha que aqui é o seu país? Não adianta me olhar com essa cara querida, se estiver insatisfeita volte para China, Japão, sei lá da onde você veio!

Na -ri segurou as lágrimas naquele momento, e junto com elas sua respiração irregular, enquanto a senhora exigente saía da sala, arrastando suas sapatilhas esbanjando leveza e autoridade.

Sentou-se no chão frio de madeira daquele lugar espelhado permitido seus músculos descansarem pela primeira vez naquele dia após horas de ensaio, enquanto deixava as lágrimas que segurava caírem, soltou a respiração com pesar, olhou para as pequenas janelas na parte de cima da parede, onde era possível enxergar um pedacinho do céu cinza de Moscou e lamentou- se estar tão só, quis fugir pra bem longe de toda aquela pressão, ou melhor desejou voltar para o lugar onde havia sido tão amada.

Após realizar milhares de outras vezes a mesma sequência, Anna caminhou até a sala onde ensaiariam em grupo, e depois ensaiaria seu dueto. Seus dias se resumiam em ensaiar, ensaiar e ensaiar, acordava por volta das cinco da manhã, tomava um café da manhã equilibrado muito restrito, recomendado por sua nutricionista e pegava o trem até a escola de dança que participava, passava as longas horas do dia, ensaiando e só conseguia ir embora por volta das oito da noite, quando pegava o trem de volta, para o seu alojamento!

Três dias por semana cuidava de uma criança para uma família que conhecera e com isso conseguia algum dinheiro para se manter naquele país. Além de relatórios dos ensaios que precisavam ser entregues como atividades avaliativas.

A vida por trás dos bastidores não era tão fácil, nem tão bela, era dolorida e cansada, mas precisava suportar já que tinha se doado tanto para realizar aquele sonho, exigindo tanto de si mesma e de sua família, ao final Na ri tentava se convencer que o brilho das roupas, a luz dos holofotes e os aplausos eram sua recompensa, mesmo que aqueles momentos durassem tão pouco e se fossem ao fechar das cortinas.

—---------------------------🤍----------------------------—

Kim Na- ri mudou-se para Moscou, na Rússia no auge de seus dezenove anos após terminar a escola, sempre amou a dança e seus pais se esforçaram para colocá-la nas melhores escolas de dança clássica da Coreia, tendo até que mudar-se da vila simples na província de Gangwon, para a capital Seul em busca de melhores opções para o sonho de sua filha. Sua vida era o ballet, amava tanto que não pôde acreditar quando passou em uma audição para uma bolsa de estudos na melhor companhia de ballet da Rússia, a parte difícil era deixar sua família para trás, mas estava certa que conseguiria voltar para Coreia com medalhas e honra.
Agora com seus vinte e quatro anos, cinco anos depois, Anna tinha alguns troféus, nenhuma medalha e com certeza muitas marcas, em seus pés, corpo e mente.
Os dias longe de casa eram frios, e não só por causa do clima de Moscou, mas por tudo o que suportara desde de que chegou à Rússia. O preconceito e descaso eram absurdos!

As coisas melhoraram um pouco quando conheceu Nikolai, um violinista famoso da orquestra sinfônica russa. Nikolai era conhecido por suas belas composições, um artista refinado e importante!
Conhecera Anna há três anos quando teve a oportunidade de criar uma sinfonia para seu solo de dança em um espetáculo nacional. Encantou-se pela beleza da coreana rodopiando pelo palco que dividira com ela.
Após uma longa conversa pós espetáculo Anna já havia gastado todo seu repertório de palavras russas até descobrir que o músico falava inglés, mas prometera ensina-la sua língua natal e dali nasceu uma amizade que depois se transformou em um namoro.
Nikolai amava se gabar da namorada coreana, uma estimada bailarina estrangeira que esbanjava perfeição, Anna era o prêmio que Nikolai ostentava.
Há três anos desde que começou a namorar Kim Na-ri já não sabia mais quem era, mais uma vez precisara vestir um personagem e esbanjar uma perfeição inexistente, mas não era isso que ela enxergava, na verdade estava anestesiada pelas altas expectativas externas e internas, enquanto estivesse nos pódios estaria satisfeita, mas toda aquela estrutura criada de forma "perfeita" estava começando a ruir.

Esta noite, quando a neve cair.Onde histórias criam vida. Descubra agora