| Capítulo I|

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~ Fevereiro de 2003, Guarulhos

O som de seus joelhos indo contra o chão de terra naquele dia nefasto foi o único a ecoar, além do canto dos pássaros, quando se ajoelha de frente para o túmulo de sua amada. Um soluço de sofrimento escapa de sua garganta quando as lágrimas mornas e incessantes trilham seu rosto pálido. Sua mão trêmula repousa com cuidado a rosa da cor de sangue sobre o concreto gélido. Seu corpo, tão fragilizado quanto o sentimento de luto esmagador em seu peito, desaba, enlaçando com seus braços magricelos o monumento rijo e lutuoso. 

Quando ouve os passos de seu cunhado próximo à lápide, seu rosto se move minimamente para que pudesse vê-lo. A dor da perda também está presente nele. Seus olhos carregam embaixo profundas olheiras, seu cabelo escuro está desgrenhado e em seus lábios não há seu lindo sorriso. Sua postura despojada deixa notável seu cansaço. Seria uma semana difícil. Ele estende sua mão na direção dela para que se erguesse do chão. Jade aceita a ajuda. Imediatamente, ele envolve seus braços ao redor de seu corpo trêmulo, tentando transmitir o conforto que ele também precisa.

O cheiro da terra molhada preenche o local em segundos quando as gotas gordas das nuvens carregadas alcançam o chão. O moreno a puxa sutilmente para que saiam de lá, guiando-a em silêncio até o estacionamento, onde está seu carro. Adentram o automóvel e, sem mais delongas, Kauan dá partida, acelerando e se distanciando do local rapidamente. No interior do veículo, é difícil distinguir a paisagem através dos vidros; a chuva desce depressa após o baque violento na lataria. A cidade está silenciosa e deserta; o único som que pode ser ouvido, além da queda de água e dos trovões ensurdecedores, é o das palhetas sobre o para-brisa e o motor do veículo.

O automóvel é guiado sem pressa para o estacionamento de uma cafeteria nobre localizada no centro da cidade. A quietude se faz presente quando o moreno retira a chave da ignição. Os longos minutos do percurso resultam, para a felicidade de ambos, no fim da tempestade e em possíveis problemas com as estradas.

Um som padrão ecoa pelo estabelecimento quando o sensor de presença é disparado assim que eles passam pela porta automática. Jade observa primeiramente o tapete vermelho e felpudo, cuja estampa está escrita "Bem-vindo" em fonte script. É um item simples, mas não deixa de ser acolhedor. Seu interior é mesmo fascinante, com uma decoração moderna e uma combinação bem planejada das cores vermelho, marrom e preto. O cheiro inefável do café e os pães doces instigam os clientes; o cuidado e a sutileza dos funcionários deixam o ambiente mais leve e harmonioso. É fiel à boa memória que Jade tem do lugar.

Caminha até a mesa disponível indicada pela recepcionista, ajeita-se sobre a cadeira acolchoada e observa minuciosamente o menu de pedidos. Tudo ali tem boa qualidade e é saboroso; apesar do humor, sente seu estômago reclamar com ansiedade. O burburinho das conversas das pessoas presentes no local é audível, mas não desagradável; é possível escutar o jazz suave que toca no som. Não há estresse devido à poluição sonora.

Kauan vai ao seu encontro após alguns minutos, vindo do balcão de atendimento, onde escolheu o que iria consumir e deixou sua conta paga. Larga seu celular e a chave do carro na mesa assim que se senta.

— Pedi pão de queijo pra viagem e aquele bagulho doce que cê gosta. — diz devagar enquanto fita seu rosto.

Ela apenas assente, larga o menu sobre a mesa e mantém contato visual. A região do seu nariz e bochechas está corada pelo tempo que passou chorando. Seu cabelo loiro e comprido está amarrado em um rabo de cavalo mal feito, graças ao peso dos fios. Seus olhos verdes têm as extremidades de cor avermelhada e possuem brilho pela formação de mais lágrimas. Kauan leva sua mão para o lado oposto em que está na mesa, alcança a mão dela quando vê seus lábios tremerem e um soluço escapar, deixando-a com espasmos.

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