~ Junho de 2003, Guarulhos
É antes das sete horas da manhã quando Jade se levanta bruscamente, assustada com o calor do contato de um ser desconhecido. Custa quase um minuto para recuperar sua racionalidade e fitar o par de olhinhos inchados e brilhosos pelas lágrimas, parcialmente fechados, encarando-a de volta. Ela se apoia em seus joelhos e libera uma risada nasalada, graças à tensão que percorre seu corpo. Por um momento, ela se esqueceu de que estava tomando conta de um bebê.
— Você não devia chorar? — indaga e recupera sua postura. — Não se preocupe, não espero que responda.
Se aproxima mais da cama e enrola-o no cobertor, trazendo-o para mais próximo de si, à altura de seu peito. O seu silêncio é questionável. De acordo com o pouco conhecimento que tinha sobre bebês dessa idade, eles resmungavam muito e podiam ser repetitivos em movimentos. Mas logo pensa que talvez seja bobeira esperar que ele haja de acordo com o que está acostumada; afinal, esteve pouco na presença de recém-nascidos.
Substitui a fralda suja por uma limpa de uma forma totalmente desajeitada e insegura, ocasionando vazamento no cobertor, que agora teria que ser lavado. Para sua sorte, há uma sacola vazia jogada ao chão, onde ela coloca o lixo de cheiro nada agradável.
Ela pega seu celular em cima da cômoda velha de cor acinzentada, ocupada por uma televisão pequena de tubo e cabos espalhados. Confere o horário e desembala o bebê-conforto novo; seu cunhado havia comprado o enxoval completo. Pega em seu guarda-roupa uma manta, dobra em duas partes para diminuir seu tamanho e o cobre, arrumando o tecido por baixo de seu corpinho, impedindo que passasse qualquer vento.
Segue para a cozinha, carregando-o com cuidado, e o deixa em cima da mesa. Agora ele já não está tão calmo, reproduz sons como se estivesse bravo, deixa pouca saliva escorrer e balança as pernas freneticamente. Puxa a manta de cima de si enquanto olha todo o cômodo, estranhando o local, mas sem chorar.
Jade prepara uma mamadeira, repete as instruções do dia anterior e o aninha ao seu peito. Afaga os cabelos encaracolados dele por quase um minuto, na intenção de deixá-lo menos agitado. Sua respiração rápida é o único som que pode ser ouvido, além da deglutição do líquido. Ele consome com a mesma rapidez que já havia presenciado, enquanto estica as pernas, uma por vez, inquieto. Antes de adormecer, sua mão repousa em sua cabeça, puxando sem força seu próprio cabelo.
Aproveita que seu sono não pode ser interrompido e caminha até seu quarto, separa roupas limpas e segue para o único banheiro da casa. Despe-se, faz um coque frouxo em seu cabelo e liga o chuveiro, deixando a água morna escorrer por seu corpo, levando os últimos resquícios de preguiça.
De volta à cozinha, após se banhar, ela troca o coador descartável e coloca água e pó de café na cafeteira, para que ela fizesse o resto do processo sozinha. Sete minutos depois, 400 ml de café estão prontos; ela adoça e passa margarina no pão que irá comer. Alimenta-se observando o neném em seu sono tranquilo e se repreende mentalmente quando nota que está criando planos com aquela criança. Ela não sabe ao certo o que acontecerá depois de hoje, mas tem certeza de que o quer para si, para criar e proteger de todo mal que possa surgir.
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Metamorfose
Teen FictionSeguidamente ao falecimento de Camile, devido a um aneurisma cerebral aos quarenta e seis anos, sua companheira Jade perde seu trabalho por estar deprimida. Ela é convidada por seu cunhado Kauan, que atua no crime organizado desde os quinze anos, pa...