"Fulozinha, não!"
Ela não escutou. Na expetativa de acabar logo com o "jogo", atravessou a rua. Foi como se ela atravessasse uma clareira, na mata. Nada que não tivesse feito umas cem vezes só naquele ano.
Tirando o caminhão de lixo que vinha em sua direção.
Zequinha gritou e pulou. A busina do caminhão ecoou, trazendo aos olhos de Cumade Fulozinha o mais puro terror. Cinco metros. Quatro metros. Três metros. Dois metros.
Zequinha parou em frente à garota. Mais rápido do que jurava ser capaz, a colocou nos ombros. Depois, empunhou seu escudo. Graças aos céus de Ketu seu avô tinha feito aquele escudo. Com metal de Ketu. Aquilo, somado ao Despertar do semideus, eram as únicas chances deles.
Sem perder tempo, Zequinha gritou o nome da única magia de defesa que conhecia.
"Udonga Lomoya!"
Uma parede de vento se formou no momento que o caminhão os acertou. Ele grunhiu com o esforço, sendo arrastado com o peso da folclórica em suas costas. Seu coração batendo a mil. O corpo todo tremendo. Dentes cerrados para não morder a língua.
Sentiu cheiro de sangue. Em seguida, a mão de Cumade Fulozinha tapou sua boca. O ícor imortal da garota entrou em sua boca.
Ele sentiu o gosto, que lhe deu ânsia. Aquilo desceu por sua garganta queimando. Seu corpo, que já tremia por causa do caminhão, pareceu uma pipoqueira.
Foi aí sua força se triplicou.
Ele gritou. Bateu o escudo no chão. E o caminhou parou. Tombando em cima deles. Ou assim seria, se Dairane e Zuiu não chegassem no melhor estilo Kung Fu Floresta Amazônica, dando voadoras na caçamba que ameaçava cair sobre Zequinha e Fulozinha.
O caminhão se endireitou, todo amassado. O motorista e os garis olhavam com os olhos arregalados, mas só enchergaram borrões. Porque os garotos já não estavam mais ali. Tinham ido assim que se certificaram que ninguém estava ferido.
Dentro do bosque, Zequinha ainda tremia. Seu estômago se revirava. A cabeça rodava. Ao seu lado, Cumade Fulozinha não estava melhor. Dairane e Zuiu esperaram. Cinco minutos. Dez minutos. Meia hora.
Então os tremores começaram a acalmar.
Foi Zuiu quem falou primeiro. Finalmente se deixou sentar, encostando em um ipê com flores amarelas.
"Não sei qual dos dois foi mais descuidado. Se Fulozinha, por entrar no asfalto, onde nosso poder é muito menor; ou Zequinha, por tentar salvar uma imortal. Caso você não saiba, imortal significa não morrer. Pelo menos de um atropelamento.
Zequinha deu de ombros, ainda deitado. O que era estranho. Parecia que ele estava nadando de costas. No chão.
"Vocês não morrem, já sei disso. Mas sentem dor. Cumade Fulozinha ficaria dias incapacitada. Eu não ia ficar parado enquanto uma companheira se machucava."
Dairane passou as mãos pelos cabelos vermelhos.
"Nós não somos seus companheiros."
"Se estamos em uma aventura", falou Zequinha se sentando, "então somos companheiros. Mesmo com objetivos diferentes, estamos ligados pela aventura."
Os três folcloricos se olharam. Dairane rolou os olhos, como se tivesse perdido uma discussão silenciosa. Zequinha não entendia porque ela fazia de tudo para o afastar. A caipora parecia querer estar ao lado de um boiúna e se queimar nas chamas amaldiçoadas da serpente, a ser amiga do garoto.
Zuiu suspirou.
"Você é estranho para um iorubá, Zequinha. Ainda não sei porque vem aqui toda semana. Não acha que está na hora de nos contar?"
Zequinha encarou Zuiu, depois Dairane. Por fim, olhou para Fulozinha, que desviou o olhar. Apesar da rejeição da caipora ser descarada, não passou despercebido ao garoto que Fulozinha nunca lhe disse seu nome verdadeiro. Como se ainda não confiasse nele. Menos ainda que Dairane.
Talvez a verdade quebrasse aquele clima de desconfiança. Ele sabia, por explicação de sua avó, que a lealdade dos folclóricos estava com os filhos de Tupã. Ele, como iorubá, precisava abrir caminho para conseguir o que precisava.
É o que faria naquele momento.
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Pega-pega com Folclóricos
FantasiBaseado no folclore brasileiro e na mitologia iorubá; com referência ao anime Pokémon. Com uma grande influência do universo de Percy Jackson. Este conto une lendas e passados indígenas e africanos em uma história curta, mas com aventura e conceitos...