DOIS

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Não me atrasei para a reunião.
Desde aquele dia, há um ano e oito meses, eu nunca me atrasei.
Por quê?
Christopher Uckermann.
  
Uma vez.  Bastou um único atraso para Christopher jogar isso na minha cara sempre que podia. Ele nunca relacionou isso ao fato de eu ser espanhola ou mulher.  Ambos estereótipos injustificados no que diz respeito à falta de pontualidade.

Christopher não falava bobagem. Ele destacava fatos. Declarava verdades verificáveis. Fora disciplinado para isso, como qualquer outro engenheiro na empresa de consultoria onde trabalhávamos, incluindo eu. E, tecnicamente, eu tinha, sim, me atrasado. Naquela única vez meses antes. Era verdade que eu tinha perdido os primeiros quinze minutos de uma apresentação importante.

Também era verdade que Christopher era o responsável – aquela tinha sido a primeira semana dele na InTech –, e mais uma vez era verdade que minha entrada tinha sido um tanto escandalosa e envolvido uma garrafa de café derrubada sem querer. Em cima da pilha de documentos que Christopher tinha preparado para a apresentação.

Ok, ok, e um pouco na calça dele também. Não é a melhor maneira de causar uma boa impressão em um novo colega, mas fazer o quê? Coisas desse tipo acontecem o tempo todo. Acidentes ínfimos, não intencionais e inesperados como esse são coisas comuns.
   As pessoas superam e seguem em frente. Mas Christopher, não.
   Em vez disso, todas as semanas e todos os meses desde então, ele soltava provocações como: "Tente não se atrasar para a reunião das dez. Já perdeu a graça."
  Em vez disso, toda vez que ele entrava em uma sala de reuniões e me encontrava em meu assento, dolorosamente cedo, olhava para o relógio de pulso e erguia as sobrancelhas, surpreso. Em vez disso, ele tirava jarras de café do meu raio de alcance, fazendo um gesto de cabeça de advertência na minha direção. Era isso que Christopher Uckermann fazia em vez de deixar o incidente para lá.

– Bom dia, Dulce. A voz suave de Héctor veio da porta. Eu sabia que ele estava sorrindo antes mesmo de olhar para seu rosto, como sempre.
– Buenos días, Héctor – respondi na língua materna que compartilhávamos. O homem que eu considerava um tio após ter sido recebida em seu círculo familiar próximo colocou a mão em meu ombro e apertou levemente.
– Tudo bem, mija?
– Não posso reclamar – falei, retribuindo o sorriso.
– Você vai no próximo churrasco? Vai ser no mês que vem e a Lourdes fica o tempo todo falando para lembrar você. Ela vai fazer ceviche dessa vez, e você é a única que vai comer. Ele riu.
   Era verdade; ninguém da família Díaz era fã do prato peruano à base de peixe. O que eu não conseguia entender.
– Pare de fazer perguntas bobas, seu velho – falei, agitando a mão e sorrindo.
– É claro que eu vou. Héctor ocupava o lugar de costume à minha direita quando os três outros colegas invadiram a sala, murmurando seus bons-dias. Deixando o riso fácil de Héctor, meu olhar foi até os homens que faziam a volta na mesa para se reunir na formação costumeira das dez horas.  
  
   Christopher logo surgiu à minha frente, as sobrancelhas erguidas e o olhar encontrando o meu brevemente. Observei seus lábios virarem para baixo enquanto ele puxava uma cadeira. Revirando os olhos, segui para Gerald, cuja cabeça careca reluzia sob a luz fluorescente enquanto ele acomodava o corpo um tanto rechonchudo no assento. Por último, mas não menos importante, Kabir, que tinha sido promovido recentemente à posição que todos na sala ocupavam – líder de equipe do Departamento de Soluções da empresa.
  O que englobava quase todas as disciplinas, exceto engenharia civil. O que era uma loucura à parte. Kabir começou a reunião com o entusiasmo que somente alguém que estava no cargo havia um mês teria demonstrado.

– Bom dia a todos. Esta semana é minha vez de liderar e protocolar a reunião, então, por favor, respondam quando forem chamados. O grunhido exasperado que eu conhecia tão bem preencheu a sala. Olhando para o homem de olhos castanhos do outro lado da mesa, encontrei a expressão irritada que acompanhava o som.
– Claro, Kabir – falei com um sorriso, embora estivesse pensando o mesmo que o carrancudo do outro lado da mesa.
– Por favor, faça a chamada. Christopher me observava com um olhar gélido. Encarei e ouvi Kabir chamar cada nome, obtendo confirmações de Héctor e Gerald, um presente desnecessariamente animado de mim, e mais um grunhido do Sr. Rabugento.
– Certo, obrigado – disse Kabir.
– O próximo ponto da pauta é a atualização do status dos projetos. Quem gostaria de começar?
  
    A pergunta foi recebida com silêncio. A InTech fornecia serviços de engenharia para qualquer um que não tivesse habilidade ou mão de obra para planejar um projeto por conta própria. Às vezes, terceirizávamos uma equipe de cinco ou seis pessoas, outras, apenas uma pessoa bastava. Então, os cinco líderes de equipe da nossa divisão supervisionavam vários projetos diferentes para diversos clientes, e todos os projetos avançavam sem parar, atingindo inúmeras metas, mas também encontrando todo tipo de problema e dificuldade. Fazíamos videoconferências diárias com os clientes e as partes interessadas. O status de cada projeto mudava tão rápido e com tamanha complexidade que era impossível que todos os outros líderes de equipe se atualizassem em poucos minutos. Por isso a pergunta de Kabir foi recebida com silêncio. E por isso a reunião não era nem um pouco necessária. Kabir se remexeu na cadeira, desconfortável.

A farsa...  (adaptação) Vondy Onde histórias criam vida. Descubra agora