Noite produtiva.

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"— Eu nunca disse um eu te amo. Eu nunca fui capaz de amar da boca pra fora, eu sempre julguei quem o faz. E quer saber o porquê? Porque eu nunca amei, e eu acho que nunca serei capaz de amar alguém. Eu não sei nem se sei o que é amor! Como eu seria capaz de dizer sentir algo que nunca conheci? Algo que nunca experimentei! Como poderia falar tão abertamente de um sentimento tão desconhecido? É por esse motivo que eu nunca disse te amar, Maria! E eu odeio não poder dizer um eu te amo pra quem eu gosto. Mas não porque eu não amo, é que eu gosto. E é só isso. Eu talvez nunca venha a descobrir o que é amar e ser amado. Talvez esteja fardado a morrer sozinho nas sombras dos meus fracassos. Mas eu espero realmente, de coração, poder amá-la um dia.
— Só espero que não seja tarde demais quando você finalmente se tocar. A gente se fala mais tarde. Eu preciso ir, estou atrasada."
Edgar deixou seu notebook de lado assim que o alarme do seu celular tocou indicando que era hora de levantar, ele havia perdido o sono de madrugada e aproveitou para pôr seu livro em dia. Faltava pouco para seu prazo acabar e a editora estava em cima dele, eles queriam pelo menos metade do livro até o fim de semana.

Então, mesmo cansado e sem ideias de como continuar a narração, ele esquentou uma grande xícara de leite no micro-ondas, pegou seu notebook e resolveu passar a madrugada escrevendo, e como num passe de mágica sua Cinderela resolveu atormentar seus pensamentos e ajudá-lo a terminar aquele capítulo. Incrível como alguém que ele nem conhecia salvou sua noite. Aquele havia sido o melhor capítulo que ele já escreveu.

Ele correu pro banheiro, fez toda a sua higiene pessoal, tomou um rápido banho e saiu já pronto pra começar o dia. Como sempre, encheu o pote de ração do seu cachorro e trocou a água dele antes de chamar por seu colega de quatro patas para comer. Satisfeito, sorriu pro cachorro que veio em sua direção. Ele parecia melhor essa manhã, parecia sentir que algo bom estava por vir.
Depois de comer um pontinho de iogurte, pegou no fundo do armário uma bolsa que ele havia ganho de sua mãe, mas que nunca havia usado, porém a manteve guardada porque ela dizia que aquela bolsa seria inútil pra ele algum dia.

A bolsa era de um tom marrom claro, e a longa alça poderia ser usada de forma transversal. Era prática, tinha espaço suficiente para seu notebook, sua velha agenda e sua fiel caneta BIC azul, sem falar no telefone e sua carteira. Era perfeita pra ele, ou para aquele momento, ela seria perfeita.
— Bear, volto na hora da sua consulta. Não faça nada que eu não faria, e se você resolver destruir esse apartamento eu peço a doutora Silvana pra te dar uma injeção na bunda! — ele sorriu piscando pro cachorro e saiu batendo a porta. — Se comporta, hein! — ele disse ao abrir a porta novamente para buscar seus óculos de leitura e fazer um carinho em seu cachorro. — Agora fui me. — ele saiu do seu apartamento assobiando distraído.
— Opa dona Raimunda, tudo bom? — cumprimentou sua vizinha da frente, que retribuiu com um tchauzinho, sem sair da janela.

Primeiro, passou por uma famosa cafeteria da região e comprou um copo grande de capuccino. Depois seguiu seu caminho até o parque central. Sempre gostou de ir até lá para escrever, observar as pessoas, levar Bear pra dar uma volta ou simplesmente dar um tempo da rotina estressante e corriqueira.
Ed sentou no banco de costume e ligou seu computador enquanto olhava a sua volta. Alguns casais faziam piqueniques, crianças brincavam felizes, havia cachorros correndo pra todos os lados, era uma manhã de quarta-feira comum.
Ele terminou seu capuccino, e jogou o copo na cesta de lixo que estava próximo aonde ele estava sentado, sentia se pronto para começar a escrever, até que se distraiu com uma moça que passou correndo por ele, que também estava distraída usando o celular, provavelmente escolhendo uma música.
Ele sabia que a conhecia de algum lugar, mas não conseguia se lembrar de onde... Aquela estatura mediana, os grandes cabelos marrons... Ela não era estranha, ele tinha uma vaga memória daqueles cabelos ondulados...
— É ela! É a minha Cinderela! — Ele arrumou suas coisas de qualquer jeito e jogou de volta na bolsa. Ele não podia perde-la de vista. Não a iria deixar escapar dessa vez.
Saiu apressado atrás dela até que começou a correr, mas o que ele diria? Ele não poderia simplesmente persegui-la pelo parque feito um idiota e dizer "oi, você lembra de mim? Te vi correndo e resolvi segui-la feito um maníaco!" e muito menos a queria atrapalhar, ou se tornar um incômodo pra moça. Edgar parou de correr e deixou que ela fosse embora. Aquele não era momento certo. Talvez nem o lugar ideal. Mas qual era o momento certo e aonde? Será que ele a veria novamente?
Porém, imagina se ele continua a perseguindo e ela resolve gritar por socorro? Ou talvez... Ou talvez... Ele não sabia o que poderia acontecer, mas as alternativas não eram boas. Frustrado, voltou pra casa e banhou Bear para ir ao veterinário, fazias dias que aquele cachorro precisava de um banho.
— É garotão, eu finalmente a vi de novo, foi uma sensação tão estranha, me senti... Diferente. Não sei explicar o que aconteceu. Eu queria correr até ela e dizer que a procurei por vários dias, mas não pude fazer isso.
Bear latiu como se experimentasse o mesmo sentimento e pulou em seu colo o encharcando.
— É, agora quem precisa de um banho sou eu! — ele riu quando Bear lambeu seu rosto. Ele parecia estar bem, mas ainda assim não iria deixar de levá-lo ao veterinário. A saúde do Bear é mais importante que qualquer coisa. 

Foi assim que tudo começouOnde histórias criam vida. Descubra agora