Capítulo 32

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⚠️ (Não revisado) ⚠️



A Cidade Escavada era escura, horripilante e levemente abafada. Emerie sentiu calafrios percorrerem todo o seu corpo no segundo em que pisou na superfície de paralelepípedos que formavam as ruas do local. Ali, diferentemente de Velaris, ninguém sorria uns para os outros, crianças não brincavam rua afora, não havia felicidade em se viver nas feições das pessoas.

As únicas coisas que haviam presentes no ar sufocante eram raiva, inveja, tristeza e medo. Muito medo. Medo de não conseguir algo para comer, medo de ser roubado, estuprado, espancado e até mesmo morto.

Emerie estremeceu pelo que pareceu ser a décima vez nos cinco minutos desde que chegara ali. E, inconscientemente, ela se agarrou ao braço de Morrigan que caminhava imponente pelas ruas, amedrontando qualquer um com o olhar se apenas ousasse respirar errado para elas.

Emerie não sabia o motivo de estar assim, de que de certa forma ela recorreu a outra pessoa para protegê-la, afinal, ela era uma guerreira Valkiria e Carynthian, infernos! Sabia muito bem se defender sozinha, mas era que quando estava perto de Morrigan, uma sensação de segurança e paz tomava conta da illyriana de uma forma inexplicável e ela só gostaria de ficar ali, aproveitando dele.

Emerie apenas queria ficar perto da loira e nunca mais sair. Essa sensação vinha aumentando cada dia mais, desde quando a loira foi pela última vez em sua loja, há dias. Isso intrigava, pois nunca sentiu algo parecido com ninguém além de sua mãe.

Sua mãe. A fêmea mais forte e perspicaz que Emerie já conhecera em toda a sua vida.

Relveed era uma fêmea a frente de seu tempo, ela era gentil, engraçada e sempre havia resposta ou solução para tudo. A fêmea sempre inventava uma brincadeira diferente e divertida para a filha, pois Emerie se entediava fácil já que não podia sair para brincar com as outras crianças da vila. O único momento que Emerie tinha contato com outros de sua idade, era quando ia visitar o tio e via suas primas.

Era uma infância deprimente, mas o pior era saber que sua mãe apanhava praticamente todos os dias de seu pai, Proteus, e ela não poderia fazer nada além de assistir. 

A Valkiria sabia que era para ser ela no lugar da mãe, que o pai na verdade queria começar a domá-la, a submetê-la para o macho que um dia a tomaria como esposa, porém sua mãe não deixava, era contra esse absurdo e então apanhava.

Um dia ela apanhou tanto que simplesmente não aguentou e morreu, então o verdadeiro inferno começou na vida da pequena fêmea, agora que ela não tinha ninguém para protegê-la.

Emerie pisca para afastar as lágrimas e as lembranças.

Morrigan não pareceu se importar, ou perceber, que sua mão estava praticamente esmagando seu braço de tão forte que era o aperto. No mesmo segundo Emerie a solta, seu rosto ardendo de vergonha.

- Me perdoe, não queria machucá-la.- apressa a se explicar, encolhendo os ombros e com a mão direita aperta a alça de sua bolsa.- Sinto muito mesmo.

- Tudo bem.- Mor sorri satisfeita com algo, isso fez o coração da illyriana errar a batida, era um sorriso calmo, diferente doque ela dava aos outros daquele lugar, sorriso esse que inconscientemente, a fez se acalmar também.- Você está bem?

Uma ruga de preocupação surge na testa da loira juntamente de um biquinho contrariado, Emerie achou uma graça.

- Sim, apenas este lugar que me fez lembrar de lembranças ruins.

- Não se preocupe, não demorarei.

Emerie assente e elas chegam em uma praça. Ao norte dela estava o Castelo Noturno e a Vila Real, a moradia oficial dos Grãos-Senhores e membros da realeza, que incluía não só o Círculo Íntimo, mas também diversos Ladys e Lords.

Elas param no meio da praça, Emerie aponta para a esquerda, onde estava a feira de comércio, e um pouco a frente delas, havia um palanque com um poste de madeira de cerca de dois metros fixado nele, oque diabos era aquilo?

- Eu vou para lá.- aponta com o queixo as barraquinhas - Não devo demorar muito, é só entregar a encomenda.

- Ok. - concorda a loira a olhando e sorrindo de forma leve- Eu vou para o castelo, mas irei demorar. E você não poderá ir atrás de mim pois não possui autorização.

Bom, isso seria um problema, Emerie não gostaria de ficar perambulando por aí sozinha por muito tempo, ela não conhecia quase nada ali, poderia se perder facilmente.

- Mas... - apressou-se Mor em dizer, ela provavelmente viu o desconforto da illyriana em ficar sozinha.- posso acompanhá-la agora, e depois vamos juntas para o Castelo, assim você não terá problemas para entrar se estiver comigo.

- Seria ótimo.- sorriu a morena aliviada.

- Vamos então.- Mor ofereceu-lhe o braço e seguiram em um silêncio confortável até os gritos dos comerciantes em suas barraquinhas.



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Morrigan não conseguia deixar de admirar pelo canto de olho a illyriana. Ela estava tão bela naquele couro, os cabelos um pouco desgrenhados e as bochechas rosadas.

A governadora quis soltar fogos de artifícios quando sentiu a fêmea alada se agarrar a ela ao chegarem, conseguia sentir seu medo e hesitação. Então, Mor por todo o tempo que estavam ali, tentou passar pelo laço todo sentimento de calma e segurança que conseguia para Emerie. Parecia que havia dado certo, pois a illyriana relaxou aos poucos.

Pensando nisso quando chegou na praça central, ela não pode evitar sorrir, havia acalmado sua parceira e estava satisfeita com isso, tanto que nem se importou com o braço quase esmagado.

Mor estendeu o braço para Emerie segura-lo, e a deixou conduzir o caminho, já que não sabia onde era o lugar que Emerie faria a entrega.

Desviando de vendedores e compradores, crianças que surrupiavam alguma barraca e sabe lá a Mãe oque mais, não demorou muito para elas chegarem. Emerie tocou a campainha e aguardou. Passos foram ouvidos de dentro da portinhola de madeira podre com musgos.

- QUEM É?- berra alguém.

A janelinha se abriu e uma fêmea velha, rabugenta, enrugada e verde apareceu. Sua voz era estranha e esganiçada.

- Ah, é você menina.- estende a mão- Me de logo isso.

Emerie rapidamente tira um pacote da mochila e estende para velha, essa que o pega com brusquidão. Com a outra ela joga um saquinho de moedas e se prepara para fechar a janelinha.

- Toma.

- De nada...

O rosto das fêmeas se retorceram em uma careta. Quando se viravam para ir embora daquela ruela, um grito feminino e infantil se faz presente. As duas fêmeas se encaram. E em seguida assentem, uma ideia sendo compartilhada entre elas de forma silenciosa.

Mor e Emerie disparam rua à fora, segundos depois elas chegam no final do comércio, de frente para onde estavam antes. A praça central. No palanque antes vazio, agora era rodeado por diversos feéricos, em cima dele haviam dois machos com instrumentos em mãos e entre eles uma pequena fêmea amarrada no poste de madeira.

Sua pele era clara, as roupas estavam rasgadas, mostrando a magreza doentia dela. Morrigan conseguia contar suas costelas e vértebras, isso fez um calafrio percorrer sua espinha. As costas da menina estavam machucadas, todo o corpinho dela na verdade.

Mor piscou se recuperando do choque, agora raiva inundava seu ser. Sem olhar para o lado, pois sabia que Emerie a seguia, Mor avançou. Com as mãos ela afastava as pessoas sem se importar em ser delicada. Emerie ao seu encalço já sacava duas lâminas illyrianas, e quando subiram com um pulo no palanque, entregou uma delas para a loira.

Havia sangue nos olhos das fêmeas ao encararem os machos em sua frente, eles pararam com a tortura de imediato. Ao reconhecerem Mor, os dois ficaram pálidos, um sorriso cruel e macabro surgiu nos lábios rubros da loira quando ela atacou.

Corte de Passados SombriosOnde histórias criam vida. Descubra agora