O primeiro beijo

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Todo mundo sabe que os sentimentos se tornam ainda mais belos quando são compartilhados, sejam eles tristezas, alegrias, compaixão, amor... Inclusive, esse último sendo o mais belo e misterioso de todos.

O amor pode brotar em diversas situações, pode trazer inúmeras consequências, vivê-lo pode ser algo feliz ou triste dependendo se esse sentimento é ou não compartilhado. Em todo caso, essa é uma história sobre o amor em sua forma mais pura e inesperada. Sobre maturidade e responsabilidade afetiva. Não é um drama intenso sobre a dor do amor ou qualquer tipo de história sobre ciúmes e possessão. Simples como uma árvore que nasce sem ser semeada por ninguém, as coisas simplesmente foram acontecendo num ritmo lento sem que ninguém se desse conta, como uma amizade natural, sem pressa.

Childe se sentia bem em estar com o ex-arconte. Mesmo vivendo uma vida discreta enquanto se recuperava, uma vida que antes ele consideraria extremamente tediosa, com Zhongli ali para lhe contar histórias sobre tempos imemoráveis, tudo parecia muito melhor. Mesmo os passatempos "de idoso" do ex-arconte pareciam bons o bastante para ele enquanto se recuperava; tipo os longos banhos de "sol" no gramado ou cochilos sob uma das grandes árvores naquelas belíssimas montanhas, ou fumar um cachimbo com os pés nas águas termais, e jogar jogos de tabuleiro. Quando deu por si já estava deixando de admirar o céu para admirar os detalhes do rosto sereno e dormente de Zhongli; seus cílios escuros contrastantes com a pele branca se destacavam quando ele não usava maquiagem, inclusive nem entendia bem o porquê de ele usar maquiagem quando tinha feições tão naturalmente bonitas, mas talvez fosse cultural de Liyue, alguma das tantas tradições dos adepti. Gostava especialmente do nariz dele, achava bonito, ornava com o rosto imponente dele, combinava com o maxilar definido e os lábios estreitos. As sobrancelhas também eram bonitas à beça, mais fácil dizer que ele era todo bonito de um jeito quase sobrenatural. Ah, claro né! Ele era uma divindade, claramente seria sobrenaturalmente bonito! Childe riu baixinho para si mesmo com os pensamentos bobos.

Zhongli reparou que estava sendo constantemente observado, mas não ligou muito, afinal só ele e Childe estavam ali e ninguém mais poderia entrar sem sua permissão, então sabia que era o ruivo quem o observava, só abriu um pouco os olhos curiosamente ao ouvir a suave risada dele; estava doido?

Ajax não notou a movimentação sutil dos olhos do ex-arconte, então continuou a admirá-lo enquanto achava que ele dormia sob o sol. Sendo que ele não se moveu em nenhum momento até ali, Ajax pensou que talvez pudesse tirar alguns fios de cabelo que lhe cobriam o rosto em perturbá-lo, e assim o fez, passando os dedos sutilmente próximo ao rosto do adeptus, ele empurrou os fios escuros para o lado quase numa carícia leve e doce. A pele de Zhongli estava quentinha pelo sol. Inconscientemente o ruivo sorriu. Seu coração se acelerou quando o moreno segurou sua mão repentinamente, talvez ele estivesse irritado por ser tocado? Talvez estivesse irritado por ser acordado daquele jeito? Childe engoliu seco e olhou o rosto do moreno mais uma vez, pânico em seu olhar enquanto uma gota de suor gelada escorria pela sua nuca.

-Continua. -Zhongli pediu quebrando todas as defesas do ruivo no exato instante, movimentando a mão dele para que acariciasse seus cabelos escuros e depois soltando para que o ruivo o fizesse por si só.

Naquela situação, Childe tinha duas opções: ou ele continuava a acariciar os cabelos de Zhongli e aceitava que estava curtindo o momento mesmo que estivesse agora morrendo de vergonha por saber que ele estava acordado, ou ele fingia que estava tirando alguma coisa dos cabelos dele e se afastava fugindo daquela situação constrangedor, mas podendo criar um clima ainda mais desconfortável para o futuro. Ele demorou um pouquinho para se decidir e nesse meio tempo viu Zhongli abrir lentamente os olhos alaranjados e lhe dirigir aquele olhar sonolento que parecia encantado pelo sol falso do paraíso adepti, e então teve a certeza de que estava ferrado e a segunda opção já não existia. Então ele acariciou levemente os cabelos escuros novamente e Zhongli sorriu relaxando novamente sob os dedos do ruivo. Ajax sentiu seu rosto se aquecer, provavelmente estaria completamente da cor de seus cabelos - vermelho -, pois percebeu que estavam os dois muito próximos. Muito mesmo. De modo que quando Zhongli se virou de lado, de frente para o ruivo, seus joelhos se tocaram e ele teve que ajeitar as pernas.

Nada foi dito, mas Zhongli estendeu sua mão e acariciou o rosto do ruivo que corou ainda mais sob o toque. O ex-arconte então mostrou a ele uma pequena pétala de flor que tinha caído tão delicadamente sobre o ruivo que o mesmo nem havia percebido. Ajax soltou o ar que não tinha percebido prender, repetindo mentalmente que não era nada demais, era só uma pétala... Não tinha nada de errado nisso. Mas Zhongli não parou por aí e, se desfazendo da pequena pétala, voltou a acariciar docemente o rosto do ruivo que sem saber o que fazer mordeu o lábio inferior e apenas continuou o suave cafuné que fazia no outro.

Ficaram assim por minutos a fio, trocando olhares silenciosos e carícias doces naquela terra inalcançável até que Zhongli quebrasse o silêncio por fim.

-Quanto mais eu penso nisso, mais confuso eu fico. Parece um enigma, mas são só os sentimentos que estão se passando pela minha cabeça. -Zhongli suspirou. -Mas a vida é efêmera demais para que a gente perca tanto tempo apenas pensando sem efetivamente tentar alcançar qualquer coisa e o tempo é um castigo...

-E quanto mais você fala, mais esse enigma fica difícil. -Ajax não saberia dizer de onde tirou forças para falar aquilo, mas de alguma forma se sentia ansioso quanto mais o adeptus falava. Seu coração parecia que ia explodir a qualquer instante pela ansiedade, ele tentava compassar a respiração e não demonstrar seu nervosismo. Por que diabos estava se sentindo daquele jeito? Seria a proximidade com o outro? Era porque ele era divinamente bonito? Zhongli era um homem, apesar de ser uma divindade! O que estava acontecendo consigo?

-Quero dizer que estou interessado em você. -Zhongli foi direto. Tinha perdido chances demais na vida por dar tempo ao tempo e a vida mortal era curta, e mesmo as vidas de imortais não era sempre uma garantia de um "felizes para sempre", então ele estava disposto a lutar pelo "felizes enquanto durar". -Não sei se é o seu cheiro ou o seu jeito, se é sua aparência ou sua personalidade, só sei que eu gosto. Gosto de você.

Puta merda. Childe travou. Como deveria reagir àquilo? O que dizer? O que pensar? O que fazer? Sentiu seu corpo estremecer simplesmente ao olhar no fundo dos olhos alaranjados do dragão. Seu rosto estava tão quente que ele não conseguia disfarçar, tentou falar mas a voz sumiu como se fugisse dele. Respirou fundo tomando coragem, mas o corpo falou antes que sua mente processasse a situação.

-E-eu também gosto de você.

Zhongli sorriu. Ajax estava tão lindo quanto era possível. Seu rosto corado destacava ainda mais os olhos azuis profundos, Zhongli queria beijá-lo. E sem pensar duas vezes ou esperar que o ruivo explicasse seu "gostar", o ex-arconte beijou sua boca. A mão que antes afagava seu rosto docemente escorregou para a nuca do ruivo puxando-o para si, aprofundando o contato. Ajax sentiu a língua do homem adentrar sua boca sem que pudesse evitar - e ele nem sabia se queria evitar. Se Zhongli tivesse pedido permissão antes de beijá-lo, talvez ele tivesse dito que não, e se tivesse dito que não, então provavelmente se arrependeria no futuro. Era a primeira vez que beijava um homem e estava sendo o melhor beijo de sua vida.

Os dedos do ruivo se agarraram aos cabelos escuros do ex-arconte. Ele mal podia acreditar que estava trocando beijos com uma divindade - e não qualquer divindade, mas Rex Lápis, o próprio -, deitado no gramado com ele, se beijaram por minutos a fio, separando-se apenas para buscar ar, mas cada vez que interrompiam o beijo por breves momentos, Zhongli carinhosamente lhe acariciava a bochecha e roçava os lábios aos do ruivo, voltando a beijá-lo pouco depois com a mesma entrega e paixão que o primeiro beijo.

Como se selasse novamente o pacto, Childe tinha cada vez mais certeza de que estaria ligado ao outro para sempre.

Estava apaixonado.

Serenitea PotOnde histórias criam vida. Descubra agora