Parecia um plantão normal e tranquilo. Uma noite fresca, os pacientes todos dormindo.
Ele já havia passado a medicação do horário e checado os soros, drenos e etc.
Chegou no posto de enfermagem resmungando.
— Ei, Anton! O que está resmungando? Tem algo errado? - perguntou a Enfermeira Cris.
— Não, nada errado. Ou melhor, tem algo que está me incomodando há alguns dias.
— O que é? Posso saber ou é particular?
— Prefiro, por enquanto, não comentar. Desculpe, chefe. Pode ser só cansaço, estou
precisando de férias.
— Está certo! Se precisar estou por aqui. Vou ao 5º andar ver se precisam de mim.
Seu colega, Carlos, saiu de uma enfermaria.
— Hoje está tranquilo, temos só 16 pacientes e todos estáveis. Acho que vou descansar, ou você prefere o primeiro horário?
— Não, Carlos, pode ir. Estou sem sono e preciso dar uma olhada em alguns prontuários.
— Legal! Estou indo, então! Você e seus estudos. Vai ficar "maluquinho".
Anton pegou os 5 prontuários que havia separado nos últimos dias. Cinco óbitos que para ele não faziam sentido; muito incomuns para pós-operatórios.
"Não faz sentido, nenhum deles era diabético e todos morreram por hipoglicemia¹ severa.
Tenho que achar algo no histórico de suas patologias² que explique isso."
Anton era estudante de enfermagem, gostava de ir a fundo nos estudos. Às vezes lia os prontuários de pacientes desde a anamnese³ até o dia da alta, e sempre tirava dúvidas sobre a patologia, agravos, posologia⁴ das medicações e interações medicamentosas...
Bem, os colegas riam e diziam que ele era fanático.
Estava concentrado quando alguém apareceu.
— Olá! Sou residente da equipe do doutor André. Poderia pegar os prontuários dos
pacientes dele, por favor?
Anton estava distraído e tomou um susto. Era difícil alguém vir depois das 23:00 h ver os prontuários. Parecia que as coisas estavam melhorando.
Reparou que nunca havia visto aquele residente.
— Pois não, vou pegar. — pegou os prontuários e retornou — Você é novo na equipe?
— Não, é que geralmente faço o plantão contrário, é a segunda vez que venho neste.
— Ok! Tem a sala dos médicos ali, você pode ficar mais à vontade.
— Certo, qualquer coisa eu chamo.
Anton voltou à leitura dos prontuários. Os pacientes tinham sido submetidos a cirurgias: três herniorrafias, uma tireoidectomia e uma retirada de cisto pilonidal. Nenhum tinha histórico de diabetes. Os cinco não morreram por hipoglicemiante⁵ que pudesse causar uma hipoglicemia. Todos morreram no 2° dia pós operatório.
"O que poderia ter levado esses pacientes a óbito? Vou olhar os exames de laboratório. Quem sabe eu consiga achar uma infecção ou sei lá, algo que explique a hipoglicemia."
Como bom estudante não podia simplesmente parar por ali.
— Oi! Como é seu nome? — era o residente.
— Anton...
— Obrigado, Anton! Aqui estão os prontuários, não fiz nenhuma modificação, vamos
manter as condutas...
— Ok! — Anton guardou os prontuários e foi preparar as medicações do horário seguinte.
Olhou as enfermarias e todos os pacientes estavam bem.
Voltou aos prontuários dos cinco óbitos, os exames laboratoriais estavam todos normais.
A idade dos pacientes estava entre 32 e 37 anos, eram jovens.
"Isto está estranho. Será que tiveram complicações durante a cirurgia? Vou olhar os
relatórios das cirurgias."
Não havia mais tempo para isso, chegou a hora de passar medicação, trocar curativos, fazer o balanço hídrico e toda a rotina.
Carlos saiu do descanso e foi verificar os sinais vitais.
— Anton... — ele chamou — você já medicou o paciente do leito 27?
— Ainda não, estou chegando lá.
— Ele está sonolento e com uma sudorese⁶ intensa, a glicemia em 45 mg/dl.
— Chama o médico, já estou indo aí, e depois chama a Cris.
Anton entrou na enfermaria e viu o rapaz muito pálido, sudoreico e não respondendo a
estímulos. Puxou o carrinho de emergência para dentro da enfermaria.
Chegou um residente, não aquele que havia passado, mas outro.
— Faz rápido duas ampolas de glicose a 50% e instala um soro glicosado com mais duas ampolas de glicose.
Anton fez tudo rapidamente. Em minutos o paciente começou a melhorar; porém, ainda não respondia a estímulos verbais.
O residente pegou o prontuário e depois de ler, perguntou:
— O que aconteceu? Ele não é diabético. Vocês fizeram medicação errada?
— Não, eu ainda não fiz a medicação do horário, inclusive ela está aqui separada. O Carlos verificou os sinais e viu que a glicemia estava muito baixa.
— Vou pedir alguns exames para ver o que aconteceu. Ele fez uma apendicectomia e
pelo relatório correu tudo bem. Hoje é o 2° pós-operatório, alta prevista para amanhã.
Anton ficou intrigado, mais um caso de hipoglicemia, só não foi óbito pela ação rápida da equipe.
— Anton, — chamou a enfermeira Cris — o que aconteceu? Não desci rápido porque estava atendendo uma parada.
— Aqui foi outro paciente com hipoglicemia, mas graças ao Carlos que verificou os sinais vitais e percebeu a sudorese e hiporresponsividade⁷, conseguimos agir rápido e o residente subiu rápido para o atendimento.
— Nossa, que coincidência, o paciente que parou também foi por hipoglicemia, mas não teve tanta sorte, ele morreu.
— Estranho dois pacientes com hipoglicemia ao mesmo tempo.
Como o pessoal do dia estava chegando, Anton e Carlos foram colocar a casa em ordem para passar o plantão.
Anton saiu pensativo.
"Vou dar uma olhada nos prontuários no próximo plantão. Já está bem estranho. Será que estou maluco mesmo? Será que os estudos estão mexendo com minha cabeça e estou achando pelo em ovo?"
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A morte veste jaleco
Misterio / SuspensoUm Técnico de Enfermagem desconfia que alguns óbitos no hospital estão estranhos. Aparentemente não há ligação entre os diagnósticos e a causa das mortes, no entanto é a mesma. Ele vai investigar cada caso por curiosidade e encontra a morte em um ja...