Parecia tudo calmo

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Tudo calmo, plantões bons, sem intercorrências, quase vinte dias sem pensar em óbitos. Anton achou que tinha se preocupado demais, talvez uma coincidência. Maluquice de um estudante.

— Anton, — chamou Carlos — pode dar uma mãozinha?

— Pra já. No que posso ajudar?

Carlos apontou para o paciente que estava pálido e sudoreico. Anton puxou o carrinho de emergência para dentro da enfermaria, enquanto Carlos chamava o plantonista e a Enfermeira Cris. Voltou e verificou os sinais vitais.

— Eu vi um plantonista saindo daqui e o chamei. — disse Carlos — Ele continuou andando como se não tivesse escutado.

— Pega o ambú e começa a respiração, ele parou, vou começar as compressões. — Anton já havia deixado preparada as seringas com glicose, adrenalina e atropina.

Chegou a Enfermeira Cris.

— O que houve?

— A glicemia 38, hiporresponsivo e agora parou.

— Onde está o plantonista?

— Tive que chamar outro, o que estava aqui saiu, como se eu não o tivesse chamado – respondeu Carlos.

— Tudo bem. Anton, faz as duas ampolas de glicose, eu assumo as compressões. Você está cansado Carlos?

— Não, tudo bem, eu continuo a respiração.

Cris, Carlos e Anton fizeram tudo o que podiam aguardando o plantonista. Quando ele chegou, o paciente já havia morrido.

— O que houve com seu colega? — perguntou Cris, visivelmente irritada – Por que não atendeu quando foi chamado? Ele estava aqui no andar.

— Estou sozinho, e estava atendendo um paciente na clínica médica. Não tem outro plantonista.

— Então quem era o médico que vi aqui no andar? — perguntou Carlos.

— Não sei, não avisaram que havia alguém.

Anton ouviu, já pensando que havia começado novamente os óbitos por hipoglicemia. O que está acontecendo?

Depois de deixar tudo em ordem e levar o corpo para o necrotério, Anton pegou o prontuário do paciente. Leu com calma e atentando aos detalhes.

"O paciente também jovem, 35 anos, 2º pós-operatório de herniorrafia, nenhuma complicação durante ou pós a cirurgia... Com certeza tem alguma ligação com os outros, só não estou vendo qual..."

Foi até seu armário e pegou as anotações dos outros óbitos.

Começou a comparar as anotações.

"O que é?... O que é?... Pensa..."

"Pacientes entre 32 e 37 anos, cirurgias relativamente pequenas, sem complicações; os exames laboratoriais normais. Nenhum era diabético. Na verdade nenhum tinha doença de base."

Então ele percebeu uma ligação entre os pacientes; todos eram sangue tipo O positivo e moravam na mesma região.

"O que isso quer dizer?"

— Anton, – Carlos chamou – a Cris foi perguntar sobre o médico que estava aqui, ninguém sabe de nenhum outro médico; o chefe do plantão disse que só o Rafael está de plantão.

— Você tem certeza que viu alguém aqui? Será que não era algum colega?

— Não. Ele estava com estetoscópio no pescoço. Nós não andamos com estetoscópio no pescoço. E eu não o conhecia.

— Isso é muito esquisito. Lembra que naquela vez do rapaz que tiramos da hipoglicemia, um médico veio até o andar, e eu não o conhecia?

— Vamos falar com a Cris?

— Não, Carlos, pode ser só coincidência.

— Ou, não...

— Vamos cuidar dos pacientes...

O plantão tinha que continuar. Mais pacientes precisavam deles.

Foram deixar os pacientes confortáveis, e verificar se todos estavam bem.

Fim de plantão, mas não como queriam.

No vestiário Anton encontrou um bilhete no seu armário.

"Quem questiona muito, acaba achando respostas que não gostaria..."

Não havia muita gente no vestiário, apenas ele, Carlos e Júlio da radiologia.

Anton preferiu não mostrar para o Carlos e saiu levando suas anotações.

Saindo do vestiário, perguntou ao segurança se tinha visto alguém diferente no vestiário.

- Não, todos que sempre vejo.

Ele foi para a faculdade. Muito contrariado com a situação.

A morte veste jalecoOnde histórias criam vida. Descubra agora