1. Bem-vindo ao Dom Marques

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– Nicolas? – Uma voz distante chamou minha atenção, me tirando daquele universo paralelo em que eu estava, retirei os fones dos ouvidos e voltei minha atenção à ela, questionando com as sobrancelhas e reposicionando os óculos – Escutou alguma coisa que eu falei?

– Não, tia Estela, desculpa, eu tava distraído.

– É, eu notei – ela sorriu, enquanto verificava o semáforo à frente – Também viajo quando escuto as minhas favoritas, é bom pra espairecer. Sim, mas o que eu tava dizendo era que o diretor, o Sr. Fernandes, vai te receber hoje na entrada, pelo que eu entendi é só uma formalidade, essa escola é cheia dessas... formalidades – ela semicerrou os olhos em deboche e eu esbocei um leve sorriso – Não precisa se preocupar.

– Certo – o sinal abriu e voltamos a nos mover, tentei recolocar os fones, mas fui interrompido.

– Nicolas, escuta... Er... Eu sei que não está sendo fácil pra você tá indo hoje pra essa escola nova então não precisa ir hoje se não quiser, eu posso te levar de volta pra casa agora mesmo, é só me dizer – ela me encarou rapidamente, preocupada.

– Não, tia Estela, tá tudo bem, eu vou, não precisa se preocupar. – A quem eu estava querendo enganar? Eu queria sim voltar, mas no que isso me ajudaria?

– Tem certeza? Nicolas, não precisa mentir pra mim, você tem todo o meu apoio, você sabe disso, não sabe?

– Eu sei tia, mas eu tô de boa, sério. – Eu não estava nada de boa. Nem perto disso.

– Eu tô preocupada contigo Nicolas, não tem comido direito, nem falado muito nesses últimos dias e eu sei que é por causa do início das aulas, tem o dia dos pais, aniversário da tua mãe, é muita coisa pra processar, isso com certeza tá mexendo muito contigo, eu sei... – eu engoli em seco, respirei devagar, não tinha mais como esconder o óbvio.

– É... Mas... Eu vou ficar bem. Não precisa se preocupar... – Eu a encarei tentando, com todas as minhas forças, não demonstrar o quanto eu queria chorar e dei um leve sorriso. Ela retribuiu e eu voltei a encarar a janela e a recolocar os fones, não queria continuar com aquela conversa ou eu me despedaçaria em lágrimas.

Não demorou muito até chegarmos à escola, não ficava assim tão distante, ainda ficava no mesmo bairro onde tia Estela morava. Era um prédio moderno, imponente. Um entrelace geométrico entre três cubos com enormes janelas de vidro. E seu nome em destaque estampava a faixada: DOM MARQUES. Suas cores predominavam os detalhes de toda a arquitetura em tons sóbrios e elegantes de azul escuro, vermelho e branco. Já havia diversos alunos nas dependências do lugar, todos com variações do mesmo uniforme: blazers azul escuros com detalhes brancos na lapela e nos punhos, camisas brancas de botão com mangas curtas, ambas trazendo o brasão da escola bordado no bolso esquerdo, acompanhadas por gravatas vermelhas. Calças, saias ou bermudas num cinza escuro e sapatos pretos completavam o fardamento.

– Nicolas, não posso prometer a você que tudo vai dar certo agora, eu queria muito, mas não posso. Mas o que eu posso te prometer, e prometo, é que se por algum motivo, qualquer coisa mesmo, você precisar de ajuda ou quiser ir pra casa é só me ligar que eu deixo tudo e venho te salvar, tá certo? – Ela disse, com os olhos cheios d'água e me puxou do assento para um abraço, eu quase desmoronei.

Agradeci, enxugando algumas lágrimas que escaparam dos meus olhos e ela repetiu nosso combinado, viria me buscar no fim do horário, passaríamos na sorveteria e depois na padaria antes de seguirmos para sua casa. Nos despedimos, desci do carro e ela seguiu para o trabalho. Reposicionei os óculos e tentei domar rapidamente o meu cabelo antes de entrar, mas definitivamente não sabia lidar com ele, eu devia ter cortado logo aquilo, mas estava muito apegado a ele e adiar ao máximo minha ida ao barbeiro havia se tornado minha religião. Meu uniforme, outro dilema, era um pouco maior que eu o que não me ajudava em nada. Não tivemos tempo de mandar reajustar o caimento, só nos enviaram os uniformes dois dias antes da volta às aulas, junto com todo o material, devido a matrícula tardia. Tivemos sorte em conseguir uma vaga nessa escola.

Eu morreria congelado por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora