3. A família que eu mereço ter

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De todos os cenários que perpassaram a minha mente, desde o momento em que conseguimos aquela matrícula até o momento em que eu cheguei na escola, o mais improvável de todos se tornara realidade. A recepção com Marcos fora tão agradável que, por um momento, achei mesmo que poderia passar ileso pelo primeiro dia tendo no máximo que passar pelo constrangimento daquelas apresentações em frente à classe, mas não era o que o destino me reservava. Arranjei briga com um psicopata, fui parar nos stories de alguém, chorei na classe, fui parar na diretoria e, como se já não bastasse, lá estava eu, sentado na maca da enfermaria com uma dor gritante na minha cabeça, meu uniforme sujo de sangue e um curativo na minha testa e isso depois de ter levado um estouro na frente de todo mundo e ainda ter desmaiado. Sinceramente, não tinha mais como piorar, aquilo já era o fundo do poço.

Eu devia mesmo ter aceitado a oferta de tia Estela no carro, eu devia mesmo ter voltado para casa... Tia Estela... Ela ficaria muito preocupada se me visse naquele estado. Será que ligaram para ela? Quanto tempo eu tinha ficado ali desacordado? Tirei o celular do bolso, queria ver as horas, nove e treze, tudo aquilo acontecera em menos de três horas. Ainda faltavam mais seis, ótimo, pensei, eu não queria nem imaginar o que me aguardava no resto daquele dia. Aproveitei o celular para ver na câmera como estava o curativo, só então me dei conta de que não estava usando meus óculos. O que fazia muito sentido agora eu estar vendo tudo turvo a minha volta.

– Nicolas, tá acordado, graças a Deus! – Disse Juliana ao entrar, só a reconheci quando chegou mais perto – Toma, eu tive que colocar uma fita pra segurar, mas não tenho certeza se aguenta até o fim do dia – Ela me entregou os meus óculos, remendados com fita crepe.

– Valeu – Coloquei imediatamente, com certeza não iria durar mesmo, acrescentei aquilo à lista.

– Como que tá a cabeça? Deixa eu ver? – Curvei um pouco a cabeça e puxei o cabelo para trás deixando à mostra o galo enorme em baixo do curativo. – Nossa, tá horrível! Vai precisar de pontos?

– Não – arregalei os olhos e balancei a cabeça – Quer dizer... Eu acho que não – Minha cabeça doeu ainda mais só de pensar naquela possibilidade – Bem, a enfermeira disse que não era necessário, foi superficial. Só tinha que estancar o sangue.

– Menos mal então, né? – Fiz que sim com a cabeça e ela continuou – A Srta. Garcia levou o babaca do Brian pra a sala do Fernandes, outra vez – espremi os olhos e reposicionei os óculos sem entender muito bem o motivo daquela informação – Certeza que aquele troglodita miserável só vai pegar uma suspenção e olhe lá, – ela revirou os olhos e bufou indignada – como sempre.

– Como assim suspenção, do que tu tá falando?

– Nicolas ele que colocou o pé pra tu cair, tu não lembra? – Ela me olhou com certa nota de preocupação.

– Não, não lembro... Quer dizer, na verdade, eu nem vi no que eu tropecei. Foi tudo rápido demais.

– É, foi sim. Quando eu vi você já tava no chão desacordado, igual um saco de batatas. Marcos e eu te trouxemos pra cá e a Srta. Garcia foi levar aquele demônio pra diretoria – ela tomou impulso e se sentou ao meu lado na maca, pude ver que o uniforme dela também estava manchado de sangue, meu sangue. – Aquele garoto é um monstro! Você podia ter se ferrado ainda mais por culpa daquele doente!

– Real, – ela tinha razão, eu tive muita sorte, podia ter sido mesmo ainda pior – mas tá tudo bem agora. Tá, eu quase tive um pequeno traumatismo craniano, mas tô de boa – Ela soltou algo como uma risada sem som um pouco assustada – Valeu por me trazer pra cá, sério mesmo.

– Imagina, não fiz mais que a minha obrigação, eu sou sua auto intitulada protetora, esqueceu? – Ela tentou dar um jeito numa mecha do meu cabelo que estava fora do lugar agora, o que me deixou meio desconfortável e quase me fez corar então me levantei rapidamente da maca.

Eu morreria congelado por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora