6. É só um teste, nada demais

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Desci as escadas embalado ao som de Girls just want to have fun de Cyndi Lauper, e já sabia que tia Estela estava animada aquela manhã. Era uma de suas músicas favoritas, ela dizia que tinha uma energia tão boa que a fazia não querer mais parar de dançar e foi assim que a encontrei, dançando pela cozinha como se nada mais importasse. Ela estava usando uma camiseta branca com girassóis estampados na frente e tinha as mangas dobradas, estava ensacada em sua mom jeans cortada e muito bem acinturada com o auxílio de um cinto. Nos pés um tênis branco e na cabeça óculos de sol redondos e cor-de-rosa estavam à frente de um coque alto e desconstruído preso por uma bandana vermelha, completando o visual. Nunca havia visto alguém com tamanho bom humor às seis e meia da manhã antes, sempre achei que fosse uma lenda, ou algum tipo de crime contra a saúde pública, mas ela fazia aquilo parecer tão natural que podia até contagiar.

– Bom dia Nicolas! – Ela sorria, eu respondi e ela continuou – Vamos de ovo mexido? – Apontou para a frigideira com a colher de pau que fazia de microfone imaginário vez ou outra enquanto terminava de cozinhar, ainda dançando – Também tem umas torradas, tem café... Ô Fábio! – Ela gritou para o meu tio que respondeu do topo da escada dizendo que já desceria – Vai acabar se atrasando!

– Tia, como é que a senhora consegue ter tanta energia tão cedo assim? – Bocejei, ainda me despertando. – Por mim eu ainda tava dormindo. – Ela riu.

– Eu tô vendo mesmo, mas também quem mandou ir dormir tão tarde, né mocinho? Agora aguenta. Tava fazendo trabalho ou conversando com algum crush? – Ela chacoalhou as sobrancelhas, brincando.

– Crush tia, é sério isso? – Ela riu, estava colocando os ovos num prato para levá-los à mesa – Eu tava era estudando meu texto, lembra? Eu tenho audição pra peça da escola hoje, já esqueceu? – Eu coloquei um pouco de café na minha xícara.

– Ah é mesmo, e já é hoje? Espera aí, não fecha a garrafa não, eu vou colocar pra mim também. – A entreguei a garrafa e ela encheu sua xícara, em seguida a fechou e sentou-se comigo. – Eu acho que deram pouco tempo pra tu se preparar pra esse teste Nicolas, tu não acha não? Tu devia ter pedido mais tempo.

– Todos os papéis já foram distribuídos tia, eu só tô fazendo isso porque é meio que obrigatório, sei lá, mais uma das formalidades do Dom Marques. – Debochei.

– Imagino! – Ela disse enquanto mastigava um pedaço da torrada.

– Tudo culpa de Juliana também, eu nem queria tá fazendo isso. Nem faz sentido ter um teste pra fazer figuração ou fazer parte da galera que monta cenário lá ou que cuida dos figurinos. Não. Faz. sentido.

– Entendi, mas se tu não quer um papel por que tu ficasse estudando o texto até tarde? – Ela mordeu a torrada.

– Sei lá, – dei de ombros – acho que eu só não quero parecer um idiota na frente de todo mundo. Se tenho mesmo que fazer vou fazer direito. – E assim eu evitaria de dar munição para mais bullying.

– Aí sim, esse é o meu sobrinho! Tenho certeza que tu vai arrasar nesse teste aí – Ela sorriu para mim e continuou depois que agradeci – Sabe que eu tô feliz que tu tenha feito amigos, isso é ótimo. Essa Juliana aí parece bem legal.

– Ela é legal mesmo, – eu sorri – mas eu não sei se somos amigos, ainda... – Mordi uma torrada.

– Nicolas, ela te convenceu a entrar pro teatro, se ainda não é tua amiga com certeza vai ser.

***

Eu estava começando a gostar realmente da companhia de Juliana, tia Estela tinha razão iríamos acabar virando amigos de verdade uma hora ou outra. O que me impedia era estar dando ouvidos aos meus próprios, e duvidosos, conselhos, que diziam para eu não me aproximar tanto dela e nem de ninguém daquela escola. Qualquer passo em falso e descobririam quem eu era de verdade e não tinha como prever como reagiriam. Será que ela ainda gostaria de ser minha amiga depois de descobrir a verdade? Flashes daquele dia no Eugênio de Castro conspiravam em minha mente me fazendo cogitar um afastamento definitivo dela, mas não era isso o que eu queria, era? Com certeza não, mas e se fosse necessário? Eu não suportaria passar por tudo aquilo outra vez. De forma alguma.

Eu morreria congelado por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora