Pelos meus olhos

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Ela girou a chave para abrir o apartamento, o corpo cansado pronto para ir direto pro banho e depois pra cama.

O apartamento estava completamente apagado, o mais estranho é que dessa vez Pizza dog não estava ali para recebê-la, mas a coleira estava pendurada no lugar de sempre.

Ela buscou prestar mais atenção aos seus sentidos, a casa não estava vazia, ela conseguia perceber alguns ruídos, e depois de alguns instantes um cheiro, um odor metálico, como cobre, um cheiro que ela conhecia bem, desses que grudava em seu paladar, sangue.

Percebendo que o cheiro e os ruídos vinham da área de treino do apartamento ela se moveu até lá tomando todo o cuidado para não ser surpreendida no caminho. Um risco fino de sangue logo na entrada, o ruído era do choro silencioso de Lucky deitado no cantinho da sala, do outro lado a estada retrátil aberta e suja, sangue quase seco na lâmina e escorada na parede ainda com o uniforme, somente sem a máscara havia Kate olhando para as próprias mãos.

Ela estava tremendo, seus olhos lacrimejavam, um choro tão silencioso.

Yelena correu se ajoelhando ao lado dela - você está ferida? -  buscando onde estava o ferimento e não conseguindo encontrar. Ela passava detalhadamente por Kate ainda sem encontrar o que estava fazendo ela sentir tanta dor - não tem nada visível, é interno? - já começando a ficar desesperada.

- Kate, eu preciso que você fale comigo - disse puxando o rosto da garota gentilmente em sua direção, sentindo a dor dentro daqueles olhos azuis - você está ferida?

Kate respondeu que não com a cabeça, deixando Yelena mais aliviada.

Yelena ficou ali sentada mais um tempo ao lado de Kate, tomando o tempo que ela pudesse antes de levantar a garota e levá-la para o quarto. Primeiro a livrando daquele uniforme, limpando qualquer rastro de sangue na sua pele e a vestindo com um short e uma blusa larga e confortável colocando Kate na cama para fazê-la dormir.

Ela tinha terminado seu trabalho e talvez fosse hora de deixar a outra sozinha e ela mesma ir deitar, na tentativa de sair do quarto ela sentiu uma mão a prendendo pela camisa, Kate a olhou e se moveu mais pro meio da cama abrindo espaço pra que ela se deitasse ali, e Yelena não teve forças pra negar aquele pedido se sentando na cama, tirando as botas e indo pra baixo das cobertas. Ainda com a mão fechada segurando o pano, Kate se aproximou, se aconchegando contra o pescoço da mulher que estava trazendo conforto pra ela naquele momento.

O corpo de Kate estava tenso, mas depois de algum tempo começou a relaxar e a cair, exausto de tantas emoções.

- Eu perdi a cabeça - disse em um sussurro - eu queria que eles sentissem dor, que sentissem desespero. O mesmo desespero que tinha na voz das crianças.

Yelena em um impulso de aliviar a dor na voz de Kate a apertou mais contra si deixando um beijo em sua testa.

- Eram pessoas ruins милая.

- Mesmo assim, eu não deveria ser a juíza que decide sobre isso. Eu não tenho esse direito.

- A vida não é justa, e você era a única justiça que essa família teria diante dessa perda. 

Realmente, aquela família sem documentos, eles não poderiam chamar a polícia, aquelas crianças se sentiriam tão impotentes quanto Kate no dia que ela perdeu seu pai.

Ela se aproximou mais de Yelena, deixando o silêncio e o cheiro suave da outra acalmar seus pensamentos e finalmente conseguindo dormir. 

Yelena ficou fazendo carinho nos cabelos negros de garota em seus braços, sentindo o cheiro do shampoo, reparando nos longos cilios e tomando cada detalhe que aquela proximidade permitia.

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