Lux
Da estéril luz da sala cirúrgica sai a histérica mistura estéril de matéria viva
Dar a luz
Tudo sempre foi luz
eu, tu, ele, nós, vós, eles
sempre fomos e sempre iremos ser luz
uma luz confusa, mistura de raios de arco-íris
do que seria o homem sem essa luz?
não seria um homem
nem seria uma coisa
seria um não ser
luz é viver
a luz que traz a verdade
a luz que mostra os sentimentos
a luz que guia até mesmo os cegos
uma luz que é mais que um raio eletromagnético
mais que um impulso fotovoltaico num filamento de tungstênio
a luz é a própria humanidade
causa, fato e consequência
ó luz, de onde vens, para onde vais?
sempre fomos e sempre iremos ser luz
luz que ilumina os pensamentos
luz que dissipa as dúvidas
ó meu jovem ser humano!
melhor que todos os seres viventes
exaltada criatura viva, admirável tabula rasa
papel, tela e mármore em branco
posso não compreender o que digo e chego a teoria de que ninguém jamais o irá
mas de alguma forma você vai saber
da mesma forma que nossas células sabem se reproduzir, embora não saibamos como elas fazem isso, apesar de elas serem nós
a luz te guiará meu jovem!
te mostrará lugares incomensuráveis, incríveis, inexplicáveis
admiráveis mundos novos que encerram criaturas tais
e te levará para casa que ainda hás de descobrir ser vós mesmo
a luz te mostrará a beleza, em uma flor que nasceu no chão, em uma esperança grã e mui distante
no provençalismo do trovador, no grito angustiado, no clamor dos poemas trágicos, no agudo do violino, na simplicidade da claridade do luar
contudo, também te mostrará no reflexo dos raios de sol em uma garrafa de vidro
na ressonância dos pingos de chuva nos toldos e telhas
na grandeza dos atos de bravura de seres os quais a Terra nunca foi digna
no épico inexplicável da música litúrgica
beleza de corais e órgãos
a luz te guiará, acelerará o seu fluxo sanguíneo, dará velocidade as suas sinapses
fará sua garganta secar, os sorrisos saírem, as lágrimas rolarem, o suor cair, os olhos se fecharem
os lábios se tocarem, a eletricidade fluir de dentro dos poros, os batimentos acelerarem
a visão turvar, o fôlego se perder, a voz sumir, o nó subir pelo esôfago, a pressão cair, o seu corpo despencar no chão de um banheiro
tudo isso sempre foi e sempre irá ser luz
tudo é luz
não há naturalidade na escuridão
portanto, te mostro esse excelente caminho
quando a escuridão te cercar, secar e puxar o tutano de vossos ossos
rejeite-a, rejeite-a, rejeite-a!
jamais permita a escuridão roer vossos ossos
pois se tudo é luz
então a escuridão também não existe
a não ser se tu quiseres que ela exista!
então ela há de ser sua realidade!
porém a luz te trará a verdade no tempo certo, na hora certa, no segundo certo, na epifania certa
você verá coisas inexplicáveis meu filho
i - n - e - x - p - l - i - c - á - v - e - i - s
como os vossos pensamentos
a instável beleza da memória
o fato de poder jamais se lembrar das coisas que já se esqueceu
e o fato de já ter coisas esquecidas que jamais se lembrará
podes tentar segurar
mas as lembranças são fortes pássaros que voam para além do Estige
que a luz seja teu guia nesse belo e majestoso mundo
grande e magnânimo mundo
imenso e insaciável mundo
mundo esse feito do marrom da terra
que por fim sugará a vós também
te levando para a barca
comandada por Caronte ajudado por Gil Vicente
e seguirás o caminho de todos os grandes homens
mas vossa história não termina ali
muitos se referem ao tornar da nossa matéria viva em matéria inanimada como morte
todavia a morte não é o cessar dos batimentos, nem mesmo o cessar de existir de vossa carne
todos nós deixamos de existir a cada dia em nome do parto de um novo ser com um pouco mais de resplendor de luz ou com mais escuridão
a real morte e o final não é quando deixas de reagir ao clamor assíduo do cérebro por oxigênio
ou ao sofrimento do empalamento, ou ao corte intrínseco da adaga, ou as milhares de formas fazer o coração parar de bater, ou quando o cérebro deixar de processar informações ou quando darás o último suspiro
a real morte é quando deixas de viver
a falta de vida é a real morte dos ossos, carne e, no fim, da alma
jamais dê veneno a sua alma
ela necessita de vida todos os dias
não deixes de viver meu jovem
sua natureza é de vida
portanto, desperte a sua natureza
só podes sentir falta de algo que se teve
nem que seja por um segundo, terás vida em algum momento dessa existência
se essa vida será longa ou curta, só tu o poderás determinar
que a luz ilumine sua vida
enquanto tu viveres
e se tu falhares e escolher deixar de viver
que a luz te dê uma faísca da glória da vida
e te mostre que viver sempre foi mais que existir
tudo sempre foi e sempre irá ser luz
você sempre foi e sempre irá ser luz
sempre fomos e sempre iremos ser luz
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Esses Poemas Não Deveriam Existir
Poetry"Você olha para o Abismo, o Abismo olha para você" Porque há algo além de nada? Porque somos conscientes? Porque existimos? Porque deixamos de existir? Muitas perguntas Nenhuma resposta Assim como esses poemas Que existem pelo simples fato de existi...