Luci queria mesmo era ir para casa. Deitar a cabeça no travesseiro e descansar. Mas sabia que não podia até dar um jeito naquela mão que latejava de dor.
Seguia por entre as ruas da cidade subterrânea para a casa da enfermeira aposentada que Montein a tinha indicado. Não era muito longe do Bar dos Destrambelhados, então poderia ir andando, mas a ideia de pegar um dos táxis a vapor que rodavam pelas ruas era tentadora. Mas não tinha dinheiro para pagar, estava zerada.
Passou na frente de um menino que vendia jornais e anunciava a plenos pulmões as notícias e informava algo de uma convenção de inventores que aconteceria no dia seguinte na cidade alta.
Um passo de cada vez, era o que pensava Luci, ela começa a ficar zonza de tanta dor e cansaço. Ela desistiria se não estivesse chegado finalmente na porta da casa da enfermeira.
A casa ficava dentro de uma mini vila com quatro habitações, duas de cada lado. Todas com a porta de frente para a calçada. O número informado por Montein no bilhete que entregou a Luci estava bem na sua frente agora, adornado por alguns arabescos de ferro na porta de madeira.
Tocou a campainha que emitiu uma versão metálica de uma música composta pela grande orquestra da cidade alta. Quando a música terminou de tocar a porta foi aberta gentilmente por uma senhora de grandes óculos e cabelos grisalhos presos em um coque bem feito.
—Olá, procuro por Célia — Luci começou a conversa.
A senhora vestindo um roupão de plush rosa claro amarrado na frente, olhou a garota que estava em sua porta.
—Oh, sim, minha jovem, sou eu mesma — disse a senhora.
Meu Deus! Montein estava realmente bravo com a história do saque que se mostrou falso. Ele tinha a mandando para uma senhorinha que usava óculos mais grossos que as balas da arma de Luci.
—A senhora é enfermeira? — Luci ainda era respeitosa, mesmo estando uma fera com Montein, mantinha a educação com os mais velhos.
—Enfermeira aposentada. Não trabalho há algumas décadas.
A situação de Luci só piorava. Não sabia se ria ou se chorava. A enfermeira não trabalhava há décadas? Como iria cuidar de seu ferimento?
—Bom, Montein me mandou aqui, preciso de ajuda.
—Montein, ele é meu sobrinho querido. É um bom rapaz, pena que anda com um pessoal meio barra pesada, sabe? Bom, como a maioria aqui embaixo. Mas onde estão meus modos? Entre querida. Posso te oferecer um café? Em que posso te ajudar?
—Com isso — levantou a mão ferida, com o pano enrolado totalmente empapado de sangue.Era possível ver a coloração roxa dos dedos.
—Nossa o que fez para conseguir um machucado tão feio?
—Longa história — riu a ladra.
—Entre, entre — abriu mais a porta para que Luci pudesse passar — Vou colocar água para ferver e pegar os curativos. Sente-se, fique a vontade.
Luci obedeceu, entrou na sala simples da enfermeira aposentada e sentou-se. O lugar tinha o sofá com babado embaixo e papel de parede florido. Luci se sentiu mal de estar sangrando no grande tapete bege de pelinhos dela.
A enfermeira desapareceu no corredor que levava ao interior da casa. Luci ficou sozinha na sala com seus pensamentos, xingos ao Montein e muita dor na mão.
A enfermeira aposentada parecia morar sozinha. O lugar estava silencioso e a ladra não notava mais ninguém dentro da casa além das duas.
Um gramofone tocava uma suave música, com o volume bem baixinho. Quem gostaria de escutar, tinha que parar tudo o que estava fazendo e prestar muita atenção. Luci entendeu que pelo menos a audição da senhora estava boa.
A música era uma canção de amor, Luci conhecia. Angelus era doce e talentoso para muitas coisas, instrumentos musicais era um deles. Se lembrou de uma vez que ele tocava exatamente aquela música para ela, depois de um roubo planejado por ele. Ele era o cérebro das operações, o coração também. Luci era os músculos e agora se via sem instruções. O que era um corpo sem cérebro e coração?
Depois de algum tempo, enquanto a ladra observava os quadrinhos de patinhos e porta retratos na parede, Célia, a enfermeira, apareceu no batente da porta do corredor. Ela trazia uma bandeja de metal com muitos materiais em cima.
Apoiando a bandeja em uma mesinha do lado do sofá, onde Luci estava sentada, a enfermeira puxou uma cadeira que estava encostada e posicionou na frente de Luci.
—Me dê sua mão — pediu ela.
Ela desenrolou o pano rasgado do vestido de Luci, que serviu de curativo improvisado, e viu como estava realmente a situação da mão da ladra.
—Que horror.
Luci arregalou os olhos com a expressão da senhora. Sua mão com certeza não estava bem, mas se surpreendeu com a sinceridade da enfermeira.
Os dedos estavam atrofiados e roxos, o buraco que a bala tinha deixado bem no meio da palma da mão estava em carne viva.
—Bom, vamos ver o que podemos fazer — começou limpando o ferimento e esterilizado com álcool.
Luci cerrou os dentes para não gritar de dor. O álcool fez arder até sua alma.
Célia usou uma pomada com anestésicos e depois usou bandagens para fechar o ferimento. Terminado o curativo ela disse:
—Vai sarar, mas seus movimentos dos dedos ficarão limitados.
Luci ficou triste, o primeiro assalto sem Angelus tinha se mostrado horrível. Um desastre. No final ficou sem saque, sem dinheiro e sem uma mão.
—Muito obrigada Senhora Célia, agradeço e fico te devendo uma. O que precisar pode contar comigo. Posso ser uma ladra, mas sempre cumpro com minha palavra.
—Uma ladra? — perguntou Célia surpresa. — Bom, você é a amiga de Montein, deveria ter percebido, mas não tem problemas, minha querida. Você é educada e me lembrou dos velhos tempos, além de fazer companhia para esta velha enfermeira.
Luci olhou na bandeja que Célia tinha trazido e ficou com uma dúvida na cabeça. Não aguentou e perguntou.
—E para que servia a água que você falou que ia colocar para ferver? — perguntou Luci curiosa. A enfermeira não tinha utilizado enquanto fazia o curativo em sua mão.
—A água é para o café, bobinha — respondeu ela.
Luci agradeceu. Tomou café com Célia e uns bolinhos que ela tinha na cozinha. Papearam um pouco e Luci pediu para ela colocar aquela música no gramofone para tocar de novo.
Depois Célia deu para Luci um vidro de um remédio que a ajudaria na dor durante o processo de cicatrização do ferimento e as duas se despediram.
A ladra seguiu para seu apartamento em um dos bairros da cidade subterrânea, quando colocou a cabeça no travesseiro, pegou no sono rápido e sonhou com a música que tocava no gramofone da casa da enfermeira aposentada.
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Luci: O Assalto
AdventureEm um mundo Steampunk, Luci é uma ladra que perdeu seu parceiro do crime há pouco tempo em uma briga de bêbados. Tendo que voltar à ativa para se sustentar, ela recomeça sua vida com o que sabe fazer: roubar. Enquanto isso Maya, uma inventora, tem s...