stone can't love

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Harper Green

agosto, 2001

new jersey

Às vezes me pergunto se conhecê-lo foi, de fato, uma coisa boa ou um acaso do destino. Sinceramete, me dói pensar que tudo o que vivi ao lado dele não passa de conspiração divina dos deuses gregos de minha mãe nos fazendo de marionete - como sempre. Eu não sei bem se ainda acredito nessas coisas, nas forças do universo, razões do destino ou deuses pagãos e sem graça, embora tenha sido estruturada em cima de tudo isso e responsabilizado-os por todas as merdas que me ocorreram até hoje. Inclusive ele. Mesmo soando ofensivo, durante muito tempo foi o que ele representou na minha vida: uma grande merda que não podia ser desfeita.

Stone não era um homem comum porque não foi uma criança comum. Um amadurecimento precoce e forçado que tornou seu coração um forte, impenetrável, levando-me a questionar se mesmo eu um dia fui capaz de ultrapassar os muros desta fortaleza. Para dizer a verdade, acho que não. Acho que ele nunca me amou de verdade. Não da forma estúpida e infantil que eu o amei no passado que me faz ter vontade de esbofetear uma versão menos rancorosa e amargurada de mim mesma. Da garota ingênua que acreditava que aquele garoto arrogante poderia amar.

Não o culpo, de todo, pela sua dificuldade em desenvolver o sentimento do amor por alguém além do seu mordomo e tutor, Sam, o único responsável pela criação do garoto problema, revoltado desde a infância com suas feridas mal cicatrizadas e problemas não resolvidos. Quando ele levou o primeiro cigarro aos lábios, não o culpei por tamanha burrice em se entregar a um provável vício. No lugar, enxerguei o reflexo do peso das suas pendências, a fraqueza em conseguir administrar tantas frustrações, tanta amargura, dor e ressentimento dentro de um jovem coração. Ele inebriava aqueles sentimentos, buscando, em seus vícios, alcançar algum poder sobre ele mesmo que ele não sentia possuir.

Não me lembro ao certo quando foi que nos conhecemos, contudo, folheando um velho diário encontrado empoeirado e esquecido no sótão dos meus pais, as palavras de uma Harper adolescente descrevem um dia chuvoso e gelado, aquecida pelo aconchego de uma livraria antiga. Não haviam datas nas folhas porque eu sempre me esquecia de numera-las conforme os dias passavam, mas me transporto à memória daquela manhã, da imagem nítida do garoto alto de olhos acizentados e cabelos negros que adentrou as portas de vidro silenciosamente, direcionando-se à seção de livros estudantis. Consigo me lembrar com perfeição do sentimento cruzado dentro de mim com a visão do garoto trajando terno com o emblema do colégio mais caro de Atlantic City. Lembrei-me do modo sorrateiro como deslizei a segui-lo devagar para observa-lo secretamente, fazendo questão de guardar a imagem da mandíbula mais bem esculpida que eu já havia visto e de como seus cabelos eram belos e ornavam com os olhos cansados, trazendo consigo um brilho melancólico que instigou-me a conhecer o que havia por trás deles.

Bem, eu era uma garotinha ingênua, nova na cidade, com um sotaque esquisito que eu trazia de Bradford, e ele era um menino da elite de Atlantic, membro de uma família importante que, por alguma razão, perambulava o subúrbio, um tanto afastado da parte nobre que, sem dúvidas, ele morava. Eu usava aparelhos nos dentes e ele tinha dentes perfeitos, alinhados, da cor da neve. Ele frequentava o colégio da elite, e eu... um pequeno convento que acolhia órfãos, porque minha mãe preferia pagar um valor exageradamente alto em uma instituição corrupta a me colocar nos colégios públicos de Atlantic City. Eu era uma garota tímida, tonta e desafeiçoada da maior parte dos problemas reais, e ele um garoto arrogante levando uma bagagem emocional mais pesada do que podia suportar.

Seu porte físico intimidador me fez recuar atrás da estante de livros observando seus movimentos, levando consigo um livro de biologia ao balcão de atendimento e em seguida a mesma porta pela qual entrou, sem sequer notar a minha presença bem ali o tempo todo. Repetindo-se todos os dias, dali em diante, em que ele passou a frequentar aquele lugar. Na maioria das vezes, sem levar nada, sem dar uma palavra. Sempre sozinho.

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