agosto, 2001
new jersey
Eu me lembro perfeitamente da imagem dele em frente ao velho colégio de freiras, me esperando com o seu sorriso esbranquiçado e o par de tênis caros nos pés. Lembro-me dos cochichos das menininhas recatadas do convento e olhares repreendidos das anciãs, fuzilando meus movimentos como símbolos de sua castidade anti-pecados aspirantes à santas. Contudo... quando ele me olhava daquela forma, sentia como se fossemos únicos em um planeta inteiro. A dor ardida das palmatórias que aquelas atitudes me renderiam na manhã seguinte não importavam tanto quanto a vontade de estar ao lado dele.
A castidade nunca foi um desejo pessoal interno meu, como era da maioria das minhas amigas e das órfãs que não tinham outra perspectiva se não formar no colegial e tornar-se como as rígidas irmãs do convento. O espírito livre e jovem de uma garota daquela idade implorava por um pouco de adrenalina correndo nas veias, a pura necessidade por serotonina me impedia de ser tão devota quanto elas - embora me perguntasse diariamente se elas não se sentiam da mesma forma que eu.
A cobrança pela santidade me inebriou durante os primeiros anos naquele colégio, julgando, por mim mesma, como única forma de ser uma pessoa verdadeiramente boa, estar em concordância com os ensinamentos das freiras, ser devota às escrituras e guardar todas as palavras do padre Rowan todo domingo de manhã nas missas incansávelmente chatas. Embora eu gostasse de fazer parte do coral, na maioria das vezes, nem mesmo isso conseguia me fazer aguentar a perseguição velada dentro daquele convento. O silêncio dos corredores com seus quadros assombrados me perseguem até hoje quando me lembro das lendas urbanas entoadas pelas garotas do ginásio na calada das noites de sábado, as quais éramos obrigadas a dormir ali em causa da missa na manhã seguinte. Ainda me lembro das vozes carregadas de entonação fajuta provocando o medo que não sei se um dia deixei de acreditar que era real, pois o órgão da capela sempre parecia dedilhar notas arrepiantes sozinho durante a madrugada, e as goteiras no dormitório das freiras me causavam um desconforto descomunal. Por isso, dormir ali sempre fora uma tortura para mim, passando noites quase em claro com medo do reflexo bizarro da batina do padre refletindo contra a entrada do dormitório 03, o qual eu fazia parte. Honestamente, hoje percebo que sempre odiei aquele colégio. E tudo o que havia e acontecia nele.
Quando as freiras descobriram o meu ato contra a santidade, fui punida severamente tanto no colégio quanto dentro de casa. Enquanto os boatos saltitavam em bocas sujas ecoando no lugar secreto das catacumbas do convento, lugar pelo qual prezávamos o total sigilo quanto ao que era dito ali, eu tinha a porta do meu quarto trancada durante uma semana de castigo e a completa repugnância dos meus pais em direção a mim. O castigo em estar fora do convento sabendo que meu nome era pauta de todos os assuntos, além da surra que levei de meu pai, não era em si tão duro quanto encarar o olhar reprovador de minha mãe, que sempre alertou-me dos perigos que envolviam aquilo que eu fiz. O coração acolheu-me com conforto e compreensão, mas a mente reprovou tamanha covardia por não me punir da forma como meu pai fizera. Ela me revelou, anos depois, o motivo de seu pesar na balança: eu cometi o mesmo erro. Eu me entreguei sem pensar e me arrependo até hoje deste dia. Pensei ter te ensinado o suficiente, te alertado o suficiente. E me dói ter de te enxergar como eu.
De início, pensei ter sido a causa de sua repugnância por tal ato uma gravidez não planejada - que teria gerado a mim. Contudo, ela jurou-me que esta não era a verdade. Que de todas as coisas que se arrepende, eu com certeza não era uma delas. Não sei ao certo se acredito nessa baboseira. Por muito tempo acreditei ter sido o seu maior erro que a privou de frequentar o seu sonhado curso de arquitetura e a arrancado do ninho acolhedor de seus pais forçando-a a se casar com alguém que não sabia se amava, mas que era o responsável por aquilo que ela carregava em seu ventre.
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Radioactive
Romance[...] Pois eu o amei. Amei com cada mísero centímetro de mim. Amei como amavam os personagens de Tolstói, e como os romances assinados por Jane Austen. Amei sua beleza, suas dores, seus pecados, porque enxergava nele o que os seus olhos eram cegos p...