meant to be yours

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agosto, 2001

new jersey

Não acredito que em qualquer momento da minha vida eu tenha superado o amor dele. Honestamente, imagino que há um marco na minha adolescência, dividindo em antes e depois dele. Antes, eu era apenas uma garota normal que gostava de pop e de filmes clássicos de romance. Sonhava com coisas grandes, com a fama, com o amor ideal, uma vida perfeita. Depois... eu me tornei tão irreconhecível que não tenho esforço para lembrar das palavras de minha mãe admirando-me por finalmente abrir mão de Juilliard¹ e dizer que fazia parte do corpo estudantil da NYU², a universidade que meus pais sonharam para mim e que eu aprendi a sonhar também. Passei a prestar atenção nas pequenas coisas, me apegando perigosamente aos cafés rápidos antes do trabalho, às conversas curtas com os desconhecidos dentro das estações de trem, às leituras pouco concentradas nos bancos de madeira próximos ao cais com cheiro de água salgada. Eu gostava dessas pequenas coisas porque a dor de ama-lo me ensinou que observar um casal de velhinhos alimentando os patinhos no lago era mais atraente do que o novo álbum do Semisonic³.

Atticus costumava carregar um pequeno caderno de rabiscos e, embora sua inspiração sempre estivesse ligada às paisagens do cais, das antigas catedrais ou das pequenas coisas do vilarejo, vez ou outra, ele me mostrava as ilustrações feitas a partir de mim. Uma doce perspectiva da sua versão simpática que era acionada quando ele tinha a oportunidade de desenhar ali. Não gostava muito que eu visse os meus auto-retratos, mas eu sempre acabava por convencê-lo com algumas palavras bonitas e um monte de beijinhos que percorriam desde a testa até boa parte da mandíbula. Ele abriria seu pequeno caderno com um sorriso desajeitado e tímido, e eu ficaria admirada com o seu potencial, porque naqueles desenhos eu podia enxergar que a moldura ruim que ele se apegou estava somente em seu exterior, ele não era de todo corrompido pelas palavras negativas e maldições que partiam de seus colegas, da forma como ele se encolhia ao me contar o que o mestres do colégio falavam diariamente ao seu respeito.

"Seu pai não teria orgulho de você."

"Não passa de um garoto mimado e irresponsável."

"Você nunca será alguém."

Sempre me perguntei se o caos em que ele se afundou não estava de algum modo ligado ao peso dessas palavras. Na sua primeira visita ao terapeuta, ele pediu-me que o acompanhasse e ainda lembro do pequeno surto no final da consulta quando recebeu indicações de remédios para controle de ansiedade. Recusou-se irrefutavelmente a se medicar de modo que Sam foi o único que conseguiu convencê-lo, de uma forma que até hoje eu não descobri qual foi.

E... depois disso, ele se tornou outra pessoa. Uma mentira encoberta, vestida pela imagem comprada do garoto comportado, educado e transformado que arrancou suspiros de admiração e o reconhecimento pela ideia barata e fajuta dos efeitos dos comprimidos sobre ele. Era isso o que ele queria. E conseguiu. No último ano do ginásio, o garoto problema, ainda que melhor aluno e em primeiro lugar do colégio desde a quarta série, tinha passaporte aprovado para as melhores universidades do país. O desejo de qualquer outro calouro e da maioria dos seus colegas de turma que, embora tenham alcançado boas vagas, essas não se aproximavam das colocações nas quais ele empregou-se.

Stanford, Yale, Harvard, Princeton, Columbia. O sonho americano idealizado na palma de um garoto que decidiria seguir os passos de seu pai e se tornar o cirurgião famoso que ele fora um dia. O seu tutor e bom britânico Sam não se indignou com a recusa de seu filho quanto ao convite do secretário - e seu amigo - para a aplicação aos exames de Oxford porque Atticus entregou-lhe uma desculpa esfarrapada de que não fazia parte dos seus planos deixar a sua casa para uma aventura em universidade estrengeira. Ele gostaria de ir, mas temia a sua própria queda quando não tivesse com ele as pessoas que sempre serviram de base para a sua estrutura danificada. Talvez sobrevivesse os primeiros meses, mas a falha era certa. Pensava, ao menos. E revelou-me anos depois que o seu maior motivo para a não mudança a Londres era o fato de que eu não estaria lá. Me disse que eu era o seu amuleto e que quando eu estava ao seu lado ele era uma pessoa menos ruim. Logo eu, a menina que ele nem mesmo tinha certeza se queria ter perto na maior parte do tempo.

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